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Juro baixo fará fundo de pensão correr risco e custar mais; consolidação da previdência complementar é inevitável, diz Previc

A queda das taxas de juros obrigará os fundos de pensão a buscar formas de compensar os ganhos menores na renda fixa assumindo mais riscos, mas isso não será suficiente, alertam especialistas. Em algum momento, será preciso mexer nas mensalidades pagas pelos participantes e pelas empresas, ou reduzir o valor a ser pago como benefício no futuro. Além disso, o aumento dos custos para gerir mais investimentos de risco e novas exigências regulatórias resultarão em estruturas maiores que tendem a incentivar a concentração desses fundos em grandes instituições, um processo de consolidação como o que ocorreu com os bancos.

As novas exigências dos reguladores, como a Resolução 4.661 do Conselho Monetário Nacional (CMN) provocarão mudanças nas estruturas dos fundos de pensão. Essas fundações, criadas pelas empresas para oferecer complementação para a aposentadoria de seus funcionários, precisam agora ter estruturas mais complexas para controlar riscos e decisões, afirma Marise Theodoro da Silva Gasparini, presidente da Enerprev. “E nem todas as empresas mantenedoras aceitam cobrir os custos dessas estruturas maiores”, afirma. Ela participou ontem do 20º Fórum de Investimentos da consultoria Luz Previdência.

A saída para as fundações de menor porte, que não conseguem ter esses controles, é evitar aplicações de maior risco, diz Marise. “Não aplicamos em fundos imobiliários, ou em fundos de recebíveis (Fidcs) e nem em fundos no exterior”, explica. Ao mesmo tempo, a fundação procura ativos de maior liquidez e evita ter muitos gestores para não precisar de controles maiores. “Isso sem contar na mudança do perfil dos participantes, já que nas novas gerações, não há mais o desejo de passar a vida toda na mesma empresa”, lembra Marise.

Em pesquisa feita recentemente com os associados pela Enerprev, um grupo grande afirmou que pretende ficar na empresa atual por no máximo cinco anos. “E nós continuamos criando planos de contribuição definida antiquados, que não servem para esses jovens”, diz Marise.

Já no caso da Fundação Cesp, a visão é que a 4.661 ajudou em alguns assuntos, como na gestão de imóveis, que agora têm prazo para serem vendidos, explica Édner Bittencourt Castilho gerente executivo de Governança, Riscos e Compliance. “As vendas de imóveis tinham de passar pelo Conselho de Administração e, geralmente, não havia consenso sobre a venda, mas agora, com a legislação responsabilizando os executivos, o processo ficou mais fácil”, explicou.

Castilho diz que as metas atuariais dos fundos de pensão terão de cair juntamente com os juros e as carteiras terão de mudar de perfil de investimentos. “Com as Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B) pagando 4%, os fundos já não conseguem mais bater suas metas com ativos de baixo risco”, afirma.

Parcela em ações teria de dobrar

Ele dá o exemplo: com uma meta atuarial de 5,25% ao ano, e juros de 4%, os fundos precisariam ter 30% da carteira investidos em ativos de risco, considerando que esses ativos rendessem 8% ao ano. Hoje, esses fundos têm 10% a 15% em renda variável. Se a meta for 5,49%, o fundo precisaria ter 40% em renda variável. Será preciso também encontrar ativos suficientes para cobrir essa parcela e com rentabilidade razoável.

“Isso levanta outra questão, que é se o participante está preparado para investir em um fundo com essa quantidade de renda variável”, diz. Além disso, é preciso avaliar quem vai pagar a conta, vai ser só do lado do investimento, aumentando o risco, ou vai ser preciso também mexer no passivo, das contribuições e dos benefícios?” questiona.

Para Castilho, o setor está em período de transição de um ambiente de juros altos para um de juro mais baixo. “E nem os administradores dos fundos, nem seus participantes, querem correr um risco maior para o qual não estamos preparados”, diz.

Segundo ele, vai ser preciso mudar o “passivo” também, seja na redução das metas atuarias, o que representa reduzir os valores a receber ou aumentar o tempo de contribuição com juros menores. Será preciso ainda mudar a cabeça das pessoas para que elas aceitem correr mais riscos na renda variável. “E é preciso que os fundos de pensão estejam preparados para correr esses riscos maiores, com mais controles, estudos e planejamento”, diz.

Castilho diz que a Fundação Cesp já está reforçando seu time, aumentando a equipe de análise com especialistas em crédito privado.

Deve ocorrer ainda uma migração dos planos de benefício definido, maioria dos planos mais antigos, e que preveem o pagamento do último salário ao beneficiário. Esses planos representam um risco para as fundações, que assumem o compromisso de ter recursos para pagar esses salários. A tendência é que as contribuições desses planos subam tanto que os associados resolvam trocar por opções mais baratas. Por isso, a expectativa é que esses planos sejam trocados por planos de contribuição definida, nos quais o beneficiário recebe apenas o que guardou.

“Por isso, o fundamental é a comunicação”, afirma Castilho. “Estamos em conversa direta com aberta com os patrocinadores dos planos e com os participantes para mostrar a situação”, diz.

Segundo ele, a queda dos juros terá um impacto tremendo nos planos de previdência. “Quando o juro cair para 4%, vai ser difícil tirar só dos investimentos esse custo, por isso o contato o aviso com os patrocinadores e participantes, e a questão é também se teremos ativos para conseguir todo esse dinheiro”. Por isso, Castilho acredita que o passivo também terá de pagar. “E mesmo os planos de contribuição definida tem riscos, não são só os Benefício Definido”, alerta. Marise Gasparini, da Enerprev, acrescenta que, antes dizia aos participantes que a fundação estava lá para ajudar o participante a garantir sua aposentadoria. “Hoje, diante das incertezas e riscos, eu não prometo mais nada”, afirma.

Consolidação do setor

O setor de previdência privada fechada vai passar por um processo de consolidação, com fusões e fechamentos de fundações e diminuição do número de entidades, afirma Lúcio Capelletto, coordenador-geral de Inteligência e Gestão da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). “Assim como ocorreu com o sistema bancário, é óbvio que acontecerá o mesmo na previdência complementar”, afirmou. Ele defendeu as regras de maior controle das aplicações das entidades, mesmo com aumentos de custos que não podem ser bancados pelas menores. “Escala não muda o nome do jogo, e não dá para fazer gestão sem estrutura, então quem não puder, deve optar por ser mais conservador mesmo”, defendeu. Outra opção é a união de entidades para garantir escala e condições para bancar os novos custos de observância, o que deve estimular as fusões e a consolidação.

Ele não quis comentar o processo de fusão da Previc com a Superintendência de Seguros Privados (Susep), que está em discussão no governo.

Segundo Capelletto, o objetivo da nova regulação que tornou mais restritas as aplicações das fundações foi corrigir as falhas encontradas em 2015, e que provocaram um déficit nas entidades de US$ 80 bilhões na época. Houve crescimento acelerado, falhas e irregularidades como as apontadas nas operações Greenfield, Pausare e Roma. “Foi preciso mudar o arcabouço regulatório antes de tudo”, explica.

Entidades relevantes

Foi o que levou a Previc a estabelecer regras para habilitação dos profissionais e dirigentes dos fundos de pensão e até mesmo a exigência de reputação ilibada. Também foi feita uma segmentação dos fundos de pensão por seu tamanho, com a seleção daqueles que representariam algum risco para o sistema, os maiores, com mais de 1% dos recursos. “Foram selecionados 17 mais relevantes, que tem regras regulatórias e acompanhamento mais rígidos”, disse. “Criamos um sistema de supervisão permanente, como o do Banco Central, e passamos a atuar de forma preventiva”, acrescentou.

A Resolução 4.661 veio complementar as normas regulando os investimentos das fundações. E, neste ano, entrou em vigor a exigência de que as entidades sistematicamente relevantes tivessem um comitê de auditoria externa. “Fizemos também parcerias institucionais com o Tribunal de Contas da União, Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Superintendência de Seguros Privados (Susep)”.

Previc quer penalidade maior e advertência

Além da nova regulação, a Previc quer agora mudar as punições que pode aplicar, afirmou Capelletto. Hoje, a maior punição é uma multa de R$ 40 mil a R$ 50 mil, “que representa quase nada quando se fala em irregularidades envolvendo milhões”, disse, lembrando que o BC e a CVM já conseguiram aumentar os valores das multas para quantias muito maiores e mais perto da realidade.

Outra reivindicação da Previc é poder aplicar advertências em executivos de fundações ou mesmo para as entidades antes de impor punições. “Queremos criar a advertência, que hoje não existe.”

Ele espera que uma série de normativos ainda seja divulgada nos próximos dois anos complementando as mudanças recentes. O objetivo é impedir que se repitam no futuro os problemas vistos até 2015. Ele observa que o ambiente externo deixou de ser benigno, e mesmo o mercado local está mudando, com novos perfis de trabalhadores e beneficiários de planos de pensão. “Há preocupação com o futuro, e estamos sensíveis às mudanças no perfil das pessoas, temos de pensar nessa nova realidade do mercado”, afirmou. Segundo ele, há uma “esfera do governo” que está discutindo essas mudanças no perfil da previdência complementar.

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