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Postalis entra com ação contra gestor e BNY Mellon por rombo em fundo no exterior

O Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, entrou na Justiça contra o gestor do fundo Brasil Sovereign II Fundo de Investimento de Dívida Externa (Fidex), Fabrízio Neves, da Atlântica Administração de Recursos, e contra o administrador da carteira, a BNY Mellon DTVM, pelas perdas do fundo com papéis lastreados na dívida da Argentina e superfaturados.

O fundo, que deveria comprar apenas papéis da dívida brasileira, teve de provisionar neste mês mais da metade (51,8%) do patrimônio para eventuais perdas com os títulos, que além de perderem valor com a inadimplência argentina, teriam sido comprados por um valor muito acima do de mercado. O patrimônio do fundo caiu R$ 198 milhões, de R$ 384 milhões para R$ 186 milhões, no dia 1º de agosto. O Postalis é o único cotista da carteira.

A maior parte desse valor se refere à compra de papéis de dívida privados (credit-linked notes, ou notas de crédito) em dezembro de 2011 pelo então gestor da carteira, a Atlântica. Segundo o administrador da carteira, a BNY Mellon DTVM, o então gestor da carteira teria pago US$ 79 milhões (R$ 179 milhões) a mais do que o valor de mercado pelos papéis. Esse prejuízo, disfarçado pela dificuldade de se chegar ao valor real dos títulos pela sua baixa liquidez no mercado, se soma agora à perda pela inadimplência argentina.

O gestor sumiu

A Atlântica simplesmente abandonou a gestão do fundo após a compra dos papéis e acabou substituída há cerca de dois anos pela gestora do próprio BNY Mellon, que, como administrador, cuidava da parte operacional do fundo e verificava o cumprimento do regulamento da carteira pelo gestor. Depois da compra irregular dos papéis, o BNY Mellon comunicou o problema ao Postalis e ao gestor.

Mas Neves e seu sócio sumiram. Após herdar a gestão do fundo, o BNY Mellon teria tentado vender os papéis, mas não conseguiu, pela complexidade e baixíssima liquidez dos títulos, montados a partir de derivativos, segundo informações de mercado.

Ação da SEC

Na ação, o Postalis acusa Fabrizio Neves e o BNY Mellon de serem responsáveis pelo prejuízo. Neves, morador em Miami até sua última aparição, é alvo de investigações da Securities and Exchange Commission (SEC, a CVM americana) acusado de montar um esquema fraudulento destinado a se aproveitar de fundos de pensão brasileiros – leia-se Postalis.

A ação, de abril do ano passado, teve por alvo uma corretora americana, a LatAm Investments, na qual Neves e seu sócio na Atlântica, José Luna, tinham participação minoritária. A investigação se concentrou na presidente da LatAm, Angelica Aguilera, que, segundo a SEC, teria falhado em identificar as fraudes.

A LatAm era usada para “esquentar” os títulos que seriam vendidos por preços mais altos ao fundo Brasil Sovereign. Segundo a SEC, a corretora comprava um papel em nome de uma empresa ligada ao esquema, que o revendia depois ao fundo brasileiro com valores muito acima dos de mercado. Além do ganho com a supervalorização, a corretora ainda cobrava uma porcentagem alta de comissão pelo negócio. Segundo a SEC, as comissões em oito operações variavam entre 19% e 67% do valor original dos papéis e eram definidas pelo próprio Neves.

Empresa do presidente do Postalis

Uma das empresas usadas para comprar os papéis e depois revendê-los era a Spectra Group Holding, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal. A empresa, segundo a SEC, pertencia ao então presidente do Postalis, Alexej Predtechensky, que seria amigo de Neves. A Spectra foi usada em duas operações. Segundo reportagem da revista Época de maio deste ano, Predtechensky, também conhecido como Russo, foi indicado para o cargo pelo PMDB.

Comunicado disfarçado

No processo, a SEC constatou também que Neves e Luna informavam o administrador do fundo, a BNY Mellon, sobre as operações. Mas comunicavam apenas o valor final dos papéis vendidos para o fundo, e não as transações anteriores. Como os papéis tinham baixíssima liquidez no mercado, era difícil detectar as fraudes.

Gestor indicado pelo Postalis

Em resposta à ação do Postalis, a BNY Mellon divulgou nota afirma que acredita que não há fundamento para ação judicial “e nos defenderemos vigorosamente”. Segundo a administradora, “esta decisão de investimento foi feita pelo gestor do fundo de investimento escolhido pelo Postalis e não nos responsabilizamos pelas ações do Postalis e de terceiros sobre as quais não tivemos qualquer controle”.

Superfaturamento de US$ 79 milhões

No dia 4 de agosto, a BNY Mellon divulgou nota em que afirmava que “recentemente, tivemos acesso a informações sugerindo que o Fidex pagou valor superior àquele efetivamente devido para a aquisição das notas”. O BNY Mellon iniciou então “uma investigação dos fatos, a qual aponta que o Fidex pode ter pago valor excedente de aproximadamente US$ 79 milhões”.

Uma parte da perda do fundo ainda é virtual e poderá ser reduzida caso a Argentina consiga retomar os pagamentos. Já o valor pago a mais será mais difícil de ser recuperado.

Processo na CVM

O caso, porém, começou antes de 2011. A Atlântica Administração de Recursos é também citada em processo administrativo sancionador na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) brasileira de 2010, que teve início após uma denúncia da Financial Industry Regulatory Authority (FINRA, entidade americana que fiscaliza o mercado americano).

A FINRA detectou indícios de irregularidades envolvendo a LatAm e dois fundos constituídos no país, um deles o Brasil Sovereign II, e o Atlântica Real Sovereign Fundo de Investimento de Dívida Externa. Ambos os fundos eram carteiras exclusivas criadas para o Postalis. O Atlantica Real foi incorporado ao Brasil Sovereign II em dezembro de 2010.

Segundo a CVM, o balanço anual de 2008 da corretora americana indicava que 95% da receita total vinha das negociações feitas pelos dois fundos. Ainda de acordo com a CVM, o diretor responsável pelas operações dos fundos na Atlântica, Neves, foi empregado e sócio da corretora americana.

Com base em cinco operações realizadas entre junho e setembro de 2009, nas quais títulos adquiridos pela corretora foram repassados a determinados compradores antes de serem comprados pelos fundos com aumento expressivo no valor de cada negociação, a FINRA estimou um prejuízo de US$ 16,2 milhões para os fundos decorrentes da atuação da corretora.

Uma das operações mostraria que, em uma das negociações, um título do Commerzbank AG Frankfurt foi comprado por US$ 3,7 milhões em 6 de julho e vendido a um dos fundos em 24 de julho por US$ 6 milhões.

Segundo a CVM, 70% do valor pago a mais pelos fundos nas operações foi repassado a determinadas pessoas com a título de comissão.

 

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