O processo de ajuste da economia brasileira vai ser lento e doloroso, com o desemprego continuando a crescer nos próximos meses e atingindo 13% da população em meados do ano que vem, afirma o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore. E a perspectiva piorou com a eleição do republicano Donald Trump nos Estados Unidos. “O choque nos mercados provocado por Trump e a alta dos juros americanos piorou a situação do Brasil, ficou mais difícil sair mais depressa e com menos custo do ajuste”, afirma. Pastore participou de seminário em comemoração aos 40 anos da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex) organizado pelo Santander.
Segundo Pastore, as políticas de Trump para acelerar a economia americana, de reduzir impostos dos mais ricos e das empresas, têm eficácia rápida, pois aumentam a taxa de investimentos na economia. Ao mesmo tempo, o investimento em infraestrutura também prometido pelo republicano representa dinheiro direto do Tesouro dos EUA, não é parceria público-privada como no Brasil, ou seja, gasto público.
E essas medidas vão pegar a economia americana com o desemprego em baixa e salários subindo, o que inevitavelmente pressionará o consumo e a inflação e obrigará o Federal Reserve (Fed, banco central americano) a subir os juros “Só a situação atual, de pleno emprego e ganhos salariais, já faria o Fed subir os juros, e com esses incentivos todos, o mercado vê que o juro vai ter de subir muito mais”, afirma Pastore.
EUA disputarão recursos com emergentes
Com juros mais altos nos EUA, o país passa a atrair parte dos recursos que viriam para países emergentes, como o Brasil, provocando a alta do dólar diante da moeda desses países, especialmente naqueles em que há problemas políticos e fiscais, como o Brasil e a África do Sul. “A conclusão é que havia um cenário otimista antes do Trump, de o governo brasileiro aprovando as reformas, a PEC 241 do teto dos gastos e a reforma da Previdência, o que traz um ganho de confiança adicional”, afirma. Além disso, a capacidade ociosa da indústria e o desemprego permitem uma retomada sem pressão inflacionária, ajudada pela redução dos juros pelo Banco Central . “O choque de Trump tornou isso mais difícil”, diz.
Ajuste será lento
Mesmo com esse cenário dito otimista, Pastore observa que o ajuste da economia brasileira vai demorar. Ele lembra que o Brasil criou um desajuste fiscal enorme, com despesas obrigatórias ou não incompatíveis com a receita. “Sustentamos essas despesas com aumento de impostos ou pelo ganho de produtividade com o crescimento mundial e a formalização da mão de obra”, explica. Assim foi possível sustentar uma dívida pública equivalente a 60% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país), “o que já era um percentual alto”, destaca Pastore.
Déficit até 2021 e dívida de 92% do PIB
Quando a criação de receitas para sustentar essa despesa se esgotou, veio a crise fiscal e de confiança que levou à recessão e à necessidade de medidas muito duras, como o teto de gastos. “Mas, mesmo com os gastos congelados, teríamos que subir as receitas sem aumentar impostos para não comprometer o crescimento, e o que nos resta então é fazer o ajuste pelo crescimento da economia, que não vai ser tão grande assim”, diz.
Pastore estima que, com um crescimento de 2,5% ao ano, o país teria déficits primários até 2021, com a dívida pública chegando a 92% do PIB.
O lado positivo é que, com o teto de gastos, a disputa política no Congresso por fatias do orçamento deve se tornar um pouco mais racional. “E vamos ter de discutir os gastos, a generosidade do nosso sistema de Previdência social, mas vai ser um caminho duro porque a recuperação do crescimento econômico vai ser muito difícil”, alerta.
PIB deve cair 0,8% no terceiro trimestre
O crescimento da economia também segue mais lento que o esperado, diz Pastore, estimando que o PIB do terceiro trimestre caiu 0,8%, o que já transmitirá para o quarto trimestre um impacto negativo de -0,2%. “Estamos em uma das mais profundas recessões da história brasileira”, diz.
Ele calcula que do pico do PIB brasileiro até o fundo do vale da recessão, a economia caiu 9%, superando os 6% da crise mundial de 2008. Além disso, a recuperação de 2008 ocorreu poucos meses depois, o que não acontecerá desta vez. “Estamos há 11 trimestres com queda do PIB e não há ainda sinais de recuperação, apesar de a queda estar sendo menor”, explica.
Consumo das famílias vai demorar a crescer
Sobre o que pode ajudar o país voltar a crescer, Pastore afirma que não será o consumo das famílias. “Olhando o comportamento dos dados de consumo ampliado, vemos o consumo das famílias”, explica. “E o consumo começou a cair antes do PIB, no terceiro trimestre de 2013, quando o mercado de trabalho começou a enfraquecer”, diz. As maiores quedas são das vendas de veículos e materiais de construção.
Brasileiro é menos endividado, mas paga mais
Foi justamente nesse ponto que o governo errou, ao tentar compensar a queda do consumo com aumento da oferta de crédito. Com isso, aumentou o endividamento das famílias brasileiras. Pastore compara o Brasil com os EUA e observa que a relação dívida e renda das famílias americanas é alta, 100% dos ganhos de um ano. “Antes da crise de 2008, essa relação era de 130%”, destaca.
Já no Brasil, essa relação é de 43% da renda anual. “Parece pouco, mas a diferença é o prazo muito menores e os juros muito maiores no Brasil”, afirma Pastore. “Lá as dívidas são de 30 anos, em geral financiamentos imobiliários, e os juros muito pequenos, enquanto aqui a maioria das dívidas é cheque especial, cartão de crédito ou consignado, de curtíssimo prazo e juros altíssimos”, afirma.
O resultado é que o comprometimento de renda do brasileiro com dívidas é muito mais alto, em média 21%, enquanto nos Estados Unidos, está em 8,3%. “Isso faz com que os bancos brasileiros coloquem o pé no freio do crédito pois a renda já está comprometida e o risco de inadimplência cresce”, diz. “Assim, um dia o consumo volta a crescer, mas isso vai demorar e não vai ajudar no crescimento.”
Demissões, 130 mil por mês
Outro elemento que impede a retomada do consumo é o desemprego. O país demitiu em média 200 mil trabalhadores por mês em 2015 e agora está demitindo 130 mil por mês. Por isso, a taxa de desemprego deve bater nos 13% no meio de 2017, ainda segurando o consumo.
Investimentos baixos e menor potencial de crescimento
Uma forma de estimular o crescimento da economia seria a taxa de investimento, ou a formação bruta de capital fixo. O problema é que essa taxa despencou nos últimos anos. “Hoje essa taxa está em 17% a 18% do PIB, o que é suficiente para pagar a depreciação dos investimentos, ou seja, o estoque de investimento fixo é constante, mas não cresce”, diz. Com isso, a capacidade da economia brasileira produzir bens e serviços cai pela falta de investimentos e, com ela, o potencial de crescimento do Brasil.
Balança comercial positiva é mau sinal
Sobre o uso das exportações para sair da crise, Pastore afirma que a balança comercial brasileira só está registrando superávits porque as importações caíram muito mais que as exportações. “Mas a importação cai porque as empresas estão investindo menos, ou seja, o saldo comercial é um sintoma de doença, não de cura”, alerta.
O crescimento da economia mundial também limita o aumento das exportações brasileiras, afirma Pastore. Segundo ele, de 2002 a 2007, a economia mundial cresceu em média 5% ao ano e o comércio mundial, de 10% a 20%. Já hoje temos a economia mundial crescendo 2,5% e o comércio mundial caindo. “Teríamos de promover uma desvalorização cambial de 190% para a exportação crescer”, diz Pastore.
Saída é baixar os juros
Mesmo assim, Pastore diz que há um cenário otimista das reformas serem aprovadas e o BC reduzir os juros. “Aí a confiança volta e o dólar cai e a Fiesp reclama”, ironiza. Nesse caso, a melhor saída não é intervir no dólar, mas baixar mais os juros, o que reduz a entrada de recursos no país, reduz o custo de capital das empresas e atrai mais investimentos em capital fixo, o que pode elevar o crescimento. “Se o Brasil crescer mais, 3,5% ao ano, por exemplo, aceleramos o ajuste das contas públicas e o pico da dívida pode ser 80% do PIB”, afirma.