Arena Especial, Política Econômica

Longe da nova matriz macroeconômica, país ainda flerta com estagflação, diz Gustavo Loyola

O governo demorou, mas finalmente bateu em retirada da nova matriz macroeconomia, que previa o abandono do tripé formado pelas metas de inflação, superávit fiscal e câmbio flutuante. Foi esse tripé que manteve o país crescendo com inflação baixa nos últimos 20 anos.

Mas esse recuo não significou melhora nas condições do país, pois o governo não retomou a política mais adequada para a situação que o Brasil passa hoje, com inflação alta e crescimento baixo, avalia Gustavo Loyola, por duas vezes presidente do Banco Central (BC) e sócio da Tendências Consultoria.

Loyola estima que o crescimento do país este ano deve ficar em 1,9% e, para 2015, um pouco menos, 1,5%, em um cenário ainda de inflação elevada. “A grande questão está nos preços represados, que vão ter de ser corrigidos no futuro”, diz ele, que considera que o país está numa situação praticamente de estagflação, ou seja, estagnação ou baixo crescimento com inflação elevada.

O ex-presidente do BC vê como positivo o fato de o governo ter abandonado aparentemente a ideia de substituir o tripé econômico por uma nova política baseada no juro artificialmente baixo, no aumento dos gastos públicos, no incentivo ao consumo e na tolerância com a alta da inflação como novos motores do crescimento.

Mas, ao mesmo tempo, não houve grandes avanços em retomar a política econômica anterior.  Principalmente na questão fiscal, o governo evoluiu pouco, destaca o consultor. “Há um pouco mais de cuidado com as contas públicas, mas o que se vê é um crescimento forte nos gastos e um grande apelo ao uso de receitas extraordinárias ou que podem ser questionadas no ponto de vista fiscal, como  dividendos do BNDES ou renegociação de dívidas”, diz. O governo, portanto, apesar do discurso, não passou ainda um sentido de firmeza da questão dos gastos públicos.

Preços represados

Outro problema que está apavorando analistas e empresários são os preços administrados, que vêm sendo contidos há anos e que terão de ser corrigidos em algum momento. A  polêmica recente entre o ministro da Casa Civil, Aloisio Mercadante, admitindo que o governo administra os preços para reduzir a inflação, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, desmentido o colega, confirmou o que todos sabiam. “E, no final, os dois estavam errados”, afirma Loyola. “O Mercadante, porque reconheceu o controle de preços e o aceitou, e o Mantega, porque nem o admitiu”, diz.

Conta vai chegar

Segundo Loyola, essa correção atrasada de tarifas, como gasolina e diesel, ameaça a inflação dos próximos anos e, por consequência, a redução dos juros e o crescimento econômico. “Isso está na conta de todo mundo, vai chegar o momento de pagar essa conta, o que vai significar mais inflação”, diz. Assim, a inflação, que está hoje nesse nível desconfortavelmente alto, vai continuar assim por mais tempo . “Isso sem contar outras distorções micro que não serão atacadas” diz.

Loyola observa também que a queda na inflação mensal em abril e em maio, comemorada pelo ministro Mantega, reflete apenas um retorno dos efeitos sazonais sobre os alimentos. “Quando se olha a inflação de serviços, o que se nota é que ela segue muito forte”, diz.

Risco do populismo fiscal

Mas ainda há outro risco, alerta. A presidente Dilma Rousseff dá  sinais de que, ao perder  espaço político para a oposição, vai fazer o que for possível para se reeleger, mesmo tomando medidas com viés populista, como o reajuste anunciado do Bolsa Família e da tabela do imposto de renda IR. O que mostra que a economia voltará a ser usada como arma eleitoral. “Quem assumiu o comando da economia foi o João Santana”, diz Loyola, referindo-se ao marqueteiro responsável pelas campanhas do PT. “E vai ser assim até as eleições”, afirma.

Apesar disso, Loyola acredita que os mercados e a situação da economia impedem que o governo adote medidas irresponsáveis, fiscais ou monetárias. “Mas não temos nenhuma garantia de que a política macro vá melhorar significativamente”, afirma.

Juro fica nos 11%

Um exemplo disso é o fato de o Banco Central estar sinalizando que vai encerrar o ciclo de alta dos juros nos atuais 11% ao ano da Selic, apesar de a inflação continuar bastante pressionada, acima do centro da meta, e não há garantia de que haverá reversão dessa situação no curto prazo.

Piora nas expectativas

Já investidores e o mercado começam a conjecturar o que virá em 2015 e o impacto dos resultados eleitorais na economia. Por isso, toda vez que há um indicador de Dilma piorando nas pesquisas, os mercados reagem positivamente e vice-versa. “Há um claro desconforto com a continuidade das políticas atuais no próximo governo, o que é um sinal de que não houve uma recuperação da confiança na gestão macro do país, apesar do recuo na adoção da nova matriz econômica”, afirma Loyola.

Ele observa que a presidente não fala mais em manter os juros baixos a qualquer custo, e que até o ministro Mantega reconheceu a necessidade de subir a Selic para combater a inflação. “O discurso mudou mas não se sabe se é apenas uma reação às circunstâncias de mercado”, diz Loyola.

Por isso, há um desconforto muito grande da sociedade com a situação econômica, como mostram as pesquisas de clima entre empresários e consumidores e mesmo com a avaliação do governo nas pesquisas eleitorais. “As pesquisas da Fundação Getúlio Vargas, da Confederação Nacional da Indústria, e mesmo o Ibope e o Datafolha mostram que as pessoas acham que o desemprego vai aumentar, a inflação vai subir, houve piora da percepção”, observa o consultor.

Efeitos na economia

E isso afeta a performance da economia. As perspectivas negativas impactam decisões de consumo e investimento e o crescimento do país. “Está claro que não há confiança muito grande dos consumidores e dos empresários para realizar gastos, seja de consumo, seja de investimento”, explica Loyola.

Emprego perdendo o fôlego

E o resultado começa a aparecer, como nos números do mercado de trabalho divulgados pelo Ministério do Trabalho no Caged, que mostraram uma criação de empregos baixa. “O índice de desemprego veio abaixo do esperado, mas não foi pela maior oferta de trabalho, foi pelo menor número de pessoas procurando vagas”, diz.

O desemprego, afirma, está se mantendo baixo, mas o mercado está perdendo fôlego, principalmente no setor industrial, e não há garantia de que essa situação positiva do emprego vá se manter nos próximos meses. Para Loyola, a maior criação de empregos no Caged ocorreu em serviços, o que pode ser reflexo da Copa do Mundo e pode ser portanto um aumento temporário. “Continuamos com um mercado de trabalho contratando, especialmente no setor de serviços, com baixa produtividade, enquanto o setor industrial segue com problemas”, afirma Loyola.

Ele cita o caso da indústria automobilística, que pela queda nas vendas e estoques elevados está dando férias coletivas. “É uma economia meio em desalento”, diz.

Sem fazer marolas

O cenário de curto prazo deve continuar como está, diz Loyola. Nada de muito negativo, e nem de positivo, deve acontecer até as eleições, e os mercados devem continuar reagindo fortemente às pesquisas eleitorais, traçando cenário para 2015 de acordo com os discursos dos candidatos.

Com Mantega ou sem Mantega

Caso Dilma seja reeleita, haverá cobrança sobre como deverá ser a política econômica a partir de 2015, se vai haver correção de preços relativos e se a agenda do governo será  mais pró-mercado. “Se for reeleita, a presidente deve buscar uma reaproximação com os mercados”, avalia. “Aí ficam as questões como se a equipe econômica vai ser mantida ou se ela já se tornou um símbolo de uma política que deu errado e deve ser substituída”, afirma Loyola. São questões que devem ser discutidas com mais força após a Copa do Mundo.

Mundo não ajuda e não atrapalha

No cenário internacional, Loyola acredita que ficou mais claro que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) terá uma atitude mais cautelosa ao subir os juros para os níveis normais, de antes da crise. Na Europa, o cenário também é mais positivo, mesmo com a turbulência política causada pela Ucrânia e a Rússia. Já a China é uma questão mais delicada. “Se o desaquecimento chinês for mais forte, pode complicar a situação para os emergentes”, diz. Resumindo, Loyola acha que o cenário externo não será tão positivo para o Brasil como durante o governo Lula, mas não será um cenário de crise. “Não dá para colocar a culpa nos outros pelos nossos problemas”, diz.

Dólar, juros e eleição

Sobre os mercados, Loyola vê a tendência do dólar no Brasil ligada à da moeda no mercado mundial e à política monetária americana, se os juros básicos vão demorar a subir ou não. Já o fator doméstico mais importante será a eleição presidencial. “Dependendo de para que lado caminharem as pesquisas e a votação, para a situação ou para a oposição, podemos ter um aumento ou uma redução de fluxos para o país e um impacto na cotação do dólar”, diz.

As taxas de juros, por sua vez, devem ficar onde estão até o ano que vem, e depois seu comportamento vai depender de quem ganhar a eleição. “O cenário está cada vez mais jogado para o ano que vem”, diz. A ordem, diz Loyola, é “não fazer marola” este ano. Mas a presidente vai ter de sinalizar para o eleitorado questões na área econômica. “Só espero que não faça isso com medidas que piorem a situação fiscal”, afirma.

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