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Saraiva declara guerra ao “rei da alavancagem” e denuncia gestora GWI à CVM

A família Saraiva, controladora da Saraiva Livreiros Editores, declarou guerra ao conselheiro e um dos maiores acionista da empresa Mu Hak You, dono da gestora de recursos GWI. A Saraiva chamou uma assembleia extraordinária para dia 16, para destituiu o gestor e a advogada Ana Maria Loureiro Recart, indicada por Hak You para o Conselho Fiscal. A assembleia vai também analisar a suspensão dos direitos dos fundos da GWI, e pedir autorização para entrar com uma ação de responsabilidade contra Hak You e Ana Maria.

Além disso, a Saraiva entrou com uma representação na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na qual acusa o gestor de violação de deveres fiduciários, abuso de direito de acionista, violação da instrução 8/79 e infração à instrução 358/02 da autarquia. A companhia levanta ainda a suspeita de uso de informação privilegiada (insider trading) e acusa Hak You e Ana Maria de invadir a sede da Saraiva no feriado de Corpus Christi, além de terem feito manifestações que prejudicaram a empresa.

Alavancagem e poucas ações

Esta não é a primeira polêmica que o sul-coreano Mu Hak You, que não tira fotos nem dá entrevistas, protagoniza no mercado. Sua gestora, a GWI, é conhecida por estratégias de altíssimo risco, com forte concentração e grande alavancagem em seus fundos de ações. A alavancagem em poucos papéis trouxe ganhos multiplicados em tempos de alta da bolsa nos anos 2000 e atraíram grande parte da comunidade coreana para a gestora.

A estratégia em geral da GWI é comprar grandes volumes de papéis a termo, para pagamento no futuro, e contar com a alta para não precisar pagar pelas ações. Caso a ação esteja mais cara que o termo, o vendedor paga a diferença e o comprador, a GWI, fica com o lucro. Dessa forma, é possível comprar muito mais papéis do que o dinheiro que se tem, com o risco, porém, de se ter uma perda também muito maior.

Começo com Lojas Americanas

Nos anos 2000, a concentração dos fundos da GWI era em papéis ordinários das Lojas Americanas, onde Hak You chegou a ser um dos maiores acionistas, obtendo uma vaga no conselho e disputando o poder com Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Alberto Sicupira. Depois, comprou  todas as ações que podia da Americanas.com e exigiu um prêmio maior para aceitar sua incorporação à controladora, ganhando centenas de milhões e irritando ainda mais os “três mosqueteiros”. Os fundos da casa chegaram a render mais de 50% com esses estratégias em alguns anos.

Perda de 98%

Porém, quando os mercados viraram, em 2008, com a crise mundial, os fundos de ações da GWI apresentaram perdas proporcionais, que chegaram a superar 98% naquele ano, no caso do fundo Leverage. Ou seja, de cada R$ 100 aplicados, o investidor ficou com apenas R$ 2. As fortes perdas levaram a administradora do fundo, a BNY Mellon, a fechar a carteira e chamar uma assembleia para trocar o gestor, o que não foi aceito pelos cotistas, que mantiveram Hak You no comando.

A vez da Marfrig e os cotistas que tiveram de cobrir os prejuízos

A fé no estilo agressivo do gestor, porém, fez a GWI continuar atraindo investidores quando a bolsa voltou a subir, ajudada pela alta rentabilidade dos fundos, desta vez alavancados em Marfrig. Até que, em 2011, o mercado virou de novo e os fundos tiveram perdas ainda maiores e com consequências piores para os cotistas. Um deles, o GWI Private, teve de chamar os cotistas para depositarem mais recursos para cobrir as perdas da carteira. O prejuízo do fundo chegou a R$ 29 milhões já que a perda na bolsa superou o dinheiro em caixa.

Prejuízo para corretora

Sem dinheiro para honrar as operações, a gestora deixou de pagar a corretora Socopa, que executou então as garantias da GWI e ainda arcou com os prejuízos no mercado. Hak You entrou então com uma ação contra a corretora alegando que ela havia liquidado as operações de maneira irregular e pedindo indenização de R$ 28 milhões. A corretora, por sua vez, exigiu indenização da gestora pelas perdas no mercado. A ação foi parar na Câmara de Arbitragem da BM&FBovespa, que não permite que as decisões sejam divulgadas. Nem representantes da Socopa, nem da GWI quiseram comentar a decisão.

Novas empresas, velha estratégia

Nos últimos tempos, Hak You continuou com o apoio da comunidade e com sua estratégia de concentração. As empresas, porém, mudaram, para a Saraiva, Cemig e JBS.

Em sua ação, a Saraiva afirma que Hak You é “um conhecido investidor, com histórico de atuação desastrosa no mercado de capitais brasileiro”, e que é famoso no mercado a termo e que “já conduziu o Grupo GWI, tomando mais risco do que poderia suportar, à quebra em duas oportunidades, em 2008 e 2011”.  A empresa afirma ainda que, com suas apostas em ações da Marfrig, ele teria provocado prejuízos a todo o mercado e é frequentemente culpado “pelo risco de quebra da corretora Socopa, quando o Grupo GWI deixou de pagar suas ordens”.

Segundo a Saraiva, a GWI começou a comprar ações da Saraiva em agosto de 2015 e, em 29 de abril, já tinha cerca de 40% das ações preferenciais (sem voto) da empresa, o que lhe deu direito de indicar um conselheiro de administração e um titular e um suplente para o conselho Fiscal. Para o primeiro cargo, assumiu o próprio Hak You. E, para o conselho fiscal, foram Ana Maria e Karen Sanchez Guimarães.

Carga desproporcional de pedidos

A Saraiva afirma que os conselheiros da GWI tem “imposto à saraiva uma carga desproporcional e inadequada de requisições, solicitando, com frequência, informações operacionais da companhia”, e em momentos “inoportunos e sem qualquer vinculação om as deliberações” a serem tomadas nas reuniões seguintes. Teriam também visitado lojas da Saraiva sem aviso prévio e pedido informações dos gerentes e vendedores, apresentando reclamações e constrangendo funcionários.

Invasão da sede

Segundo a Saraiva, além disso, Hak You e Anan Maria “chegaram ao absurdo de invadir a sede da companhia” durante o feriado prolongado de Corpus Christi, em 26 de maio. Eles teriam “invadido” a sede no dia 27, conforme imagens do sistema de segurança da empresa e teriam forçado a entra na sala do presidente do Conselho de Administração, além de entrarem em salas de diretores, mexerem em documentos e fazerem anotações e tiraram fotos de documentos da companhia.

Assembleia e risco de insolvência

Mas o que mais irritou a direção da Saraiva foi a notificação enviada por Hak You para que a empresa marcasse uma assembleia geral extraordinária “com o objetivo de deliberar sobre a atual situação econômico financeira da companhia e tomar as medidas necessárias para mitigar a possibilidade iminente de insolvência”. A sugestão de que a empresa estaria quase insolvente e o impacto dessa declaração nos negócios fez a empresa convocar reunião do conselho para a diretoria explicar a situação financeira a empresa.  O conselho concluiu que não havia necessidade da assembleia.

Mas Hak You, além de votar contra, informou que iria convocar a assembleia de qualquer jeito, o que fez a Saraiva entrar com um pedido de liminar impedindo a GWI de convocar a assembleia, que foi deferida pelo juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, na 1ª Vara de Falências de São Paulo, no dia 20 de junho.
Apesar da liminar, a GWI publicou um edital de convocação para a assembleia, o que, segundo a Saraiva, afetou a cotação das ações, que caíram em um dia de alta do Índice Bovespa.

Manipulação de mercado

Segundo a Saraiva, os fatos podem estar relacionados com eventual manipulação de mercado. Em gráfico anexado ao processo, a Saraiva aponta que o volume de negociações a termo com ações da Saraiva era ínfimo até a GWI começar a participar da empresa. Desde então, os negócios a termo disparou enquanto a cotação dos papéis despencou. O mesmo teria acontecido com as ações ordinárias, com voto, mas numa proporção menor, já que os papéis são bem menos líquidos.

Para a Saraiva, merece investigação a existência de alguma aposta do grupo GWI na queda das ações, em especial nos dias que precederam a convocação da assembleia pela gestora.

A Saraiva levanta também a suspeita de que a GWI teria também tentado criar condições artificiais de mercado. E cita o fato de a empresa não ter informado ao mercado, quando atingiu 5% do capital da empresa em 17 de maio de 2015, que tinha interesse em participar da gestão da companhia, mas afirmado que o objetivo era investir.

Gestor vende tudo

Além disso, como conselheiros, os indicados da GWI têm acesso a informações privilegiadas da companhia, permitindo que a gestora se antecipe ao mercado, diz a ação, citando declaração de Hak You na reunião do conselho de administração de 16 de junho, afirmando que é responsável “por mais de 60% da liquidez das ações da Saraiva”.  Na mesma reunião, o gestor afirmou que colocara à venda “todas as ações da Saraiva de propriedade do grupo GWI”, o que não seria possível pois a venda demoraria vários dias pela baixa liquidez do papel.

Uso de insider

A Saraiva pediu ainda para a CVM a instalação de um processo para investigar eventual uso de insider trading da GWI. Para a empresa, “a verdadeira razão dessas requisições, apresentadas em total descompasso com a atuação dos órgãos nos quais tais representantes estão inseridos pode estar diretamente relacionadas a negócios do grupo GWI no mercado de capitais”.

Para isso, a Saraiva fez uma lista com as datas em que os representantes da GWI conseguiram as informações, públicas ou confidenciais, “para que se possa investigar se, em algum momento, transacionou com base nessas informações quando ainda desconhecidas do resto do mercado”. A empresa baseou as denúncias também em estudos feitos pela Métrica Consultoria.

Procurada, a gestora GWI não respondeu ao pedido de informações sobre o processo.

 

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