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Juro real alto atrairá mais que ações; mas valor das empresas pode dobrar, diz Gustavo Franco

As taxas de juros reais do país poderiam cair para 3% ou 4% ao ano se o país fizesse as reformas estruturais, mas isso não deve ocorrer tão cedo e o Brasil continuará sendo um país em que a renda fixa será muito mais atrativa que a renda variável no médio prazo, infelizmente. A avaliação é do ex-presidente do Banco Central (BC) e sócio da Rio Bravo Investimentos, Gustavo Franco, durante o 8º Congresso de Mercados Financeiros e de Capitais, em Campos do Jordão. Mesmo assim, afirma, não é delírio achar que as empresas brasileiras possam valer o dobro que valem hoje se houver alguns anos de comportamento macroeconômico responsável e  que governo consiga encaminhar os problemas da dívida e do déficit público. “Por isso, os empresários não devem desistir, vejo muita gente querendo ir para Miami, mas muitos podem deixar dinheiro na mesa se fizerem isso”, afirma Franco.

De US$ 1,8 bi para US$ 400 bi

Franco dá alguns números para demonstrar que há oportunidades no país. Ele lembra que quando Fernando Henrique Cardoso tornou-se ministro da Fazenda, no início dos anos 1990, o valor de mercado das ações das empresas brasileiras listadas na Bovespa era de cerca de US$ 80 bilhões. Depois do Plano Real, esse valor passou para US$ 350 bilhões e, em 2008, antes da crise, US$ 1,8 trilhão. “Há ainda a criação de riqueza dessas empresas, e isso acontece também com empresas não listadas e com outros ativos de longa duração por conta da queda dos juros e perspectiva de resultados maiores”, afirma.

Depois da crise de 2008, o valor das empresas voltou para um nível mais baixo, e ainda ficou nesse nível por dois anos, até que veio a destruição de valor provocado pela Nova Matriz Econômica, do governo Lula/Dilma. O valor das empresas caiu para US$ 400 bilhões, um pouco antes do impeachment de Dilma. “De US$ 1,8 bilhão para US$ 400 bilhões é uma queda de quase US$ 1,5 trilhão de destruição de valor, isso é chocante”, afirma Franco. Um terço dessa perda já foi recuperada nos últimos meses, “mas tem ainda dois terços para recuperar e já estivemos lá”, lembra. “Portanto, não é nenhum delírio imaginar que empresas brasileiras podem valer o dobro do que valem, bastando haver alguns anos de bom comportamento macroeconômico”, diz.

Segundo Franco, a compreensão do setor privado de que o governo pode criar valor para todos com uma macroeconomia responsável torna mais sólida a percepção dessa potencial de ganho. “Portanto, a chance desse upside se materializar, está presente e os empresários que estão pensando em desistir podem deixar algum dinheiro na mesa.”

Juros abaixo de 7% ao ano

A médio prazo, Franco acredita que os juros básicos podem cair bem abaixo de 7% ao ano se o país tiver sucesso em melhorar seus fundamentos. “Mas isso será uma guerra de trincheiras, de território, pequenas conquistas cumulativas que vão reduzir a dívidia pública, melhorar o déficit fiscal”, diz. Ele lembra que, ainda que a situação hoje esteja ruim, não se pode esquecer que o Brasil teve 10 anos seguidos de superávit primário de até 3% do PIB, e com uma redução da dívida de quase 15 pontos percentuais em relação ao PIB. “Devolvemos tudo e mais um pouco”, lamenta. “Se tivéssemos avançado em vez de aumentar a dívida, estaríamos no mesmo nível do Chile em matéria de endividamento e provavelmente mais perto de juros de 3% do que hoje estamos”, afirma. “O que dá uma medida irritante do tempo perdido com erros.”

A TLP e a meia entrada

Sobre a Taxa de Longo Prazo, que vai substituir a TJLP no financiamento dos contratos do BNDES e que terá juros mais próximos dos de mercado nos próximos anos, Franco afirma que ela é projeto da maior importância, embora seja apenas o primeiro capítulo do enredo para acabar com o seletivismo do crédito. “Existem vários mecanismos pelos quais diferentes segmentos da sociedade tem acesso a crédito subsidiado”, afirma Franco,que estima que hoje, praticamente metade do crédito é direcionado e subsidiado, e a outra metade em condições de mercado.

O spread bancário (diferença entre custo de captação e empréstimos) para os direcionados, é de 3% ao ano e, para os não direcionados, 40%, estima Franco. “Ou seja, metade do Brasil tem meia entrada e metade paga muito mais, e isso está errado e tem de ser revisto”,diz.

Além da TJLP, Franco cita outros mecanismos que interferem no crédito, como a Taxa Referencial (TR), o compulsório sobre os bancos, sobre a poupança, os mecanismos de poupança forçada, como o FGTS e o próprio Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). “O que está em jogo é o FAT deixar de fazer transferências com subsídio para o BNDES repassar esse subsidio para as empresas”, explica Franco. “Se o governo quer dar subsídios, faça no orçamento do governo, de maneira transparente”.

Reforma da Previdência não é “bala de prata”

Sobre a reforma da Previdência, Gustava Franco acha que o governo de Michel Temer deveria ter tentado aprova-la antes do teto de gastos, e não o contrário. “O governo gastou sua energia política, que é limitada, no gasto, e deveria ter tentado aprovar a reforma da Previdência para depois discutir o teto com mais espaço”, afirma. “E também vale lembrar que a reforma da Previdência não é uma bala de prata, não é a reforma que vai acabar com todos os problemas, vai arrumar as coisas agora, mas daqui dois ou três anos vamos ter de revisitar esse assunto, ou em tópicos específicos, como a previdência complementar dos funcionários públicos”, alerta. “Alguma coisa lateral terá de ser discutida, não é uma reforma para nunca mais se falar de Previdência.”

Opções caso a Previdência não passe

Caso a reforma não passe, Franco avalia que o governo terá de focar em reduzir o tamanho do Estado e obter economias na folha de pagamento, seja diminuindo o quadro de funcionários ou remuneração. “É preciso descontinuar atividades que têm mérito, daí a dificuldade, pois são políticas públicas que custam dinheiro do contribuinte, mas o dinheiro acabou, então precisa diminuir”, admite. “E vai ser preciso atacar outas coisas que são intocáveis, como benefícios para funcionários públicos, estabilidade, tudo isso tem de ser discutido, e a sociedade deve escolher por meio de seus representantes se quer pagar mais imposto de renda ou acabar com esses benefícios”, afirma. “O que a sociedade prefere, mais imposto ou menos funcionários públicos, o que não será mais possível é esconder o problema.”

Franco elogiou a aprovação e disse que ela deve dar início a um processo recorrente de reforma das normas. “A Consolidação das Leis do Trabalho tem 2 mil artigos e tem muita coisa para mudar, a relação capital trabalho evoluiu muito e só fará bem ao trabalhador, à produtividade e ao emprego modernizar essas relações”.

Privatização pode ter dificuldades

Sobre a privatização, Franco diz que são ideias que estão no forno há muito tempo e que foram apressadas pelo “efeito Eletrobrás”. “Podiam estar na rua há muito tempo, mas o governo aproveita uma janela política e de opinião pública para fazê-las”, disse. O desafio de execução das vendas, porém, é ponderável, alerta,. pois é muita coisa ao mesmo tempo. E algumas vendas podem ser limitadas por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal, que impede operações de crédito no último ano de mandato do presidente. “O importante é o evento Eletrobras, uma das grandes,empresas do país destruída por sucessivos erros em administrações anteriores, sobretudo com a ex-presidente Dilma Rousseff, portanto tem uma importância muito grande agora trazer esse assunto”, afirma Franco.

Crescimento sustentável depende das contas públicas

Não dá para ter crescimento sustentável com finanças públicas insustentáveis, alerta Franco. Se a conta fiscal não fecha e o crescimento da dívida pública é explosivo, não tem crescimento, assim como não há crescimento com hiperinflação, reforça. “São pré-condições para trajetória de crescimento sadio”, diz. E algumas economias tributárias abrem perspectivas de investimento, como a própria privatização, explica Franco. “Pega empresas estagnadas, que precisam de reestruturação e investimento, recursos que o governo não tem, vende para quem tem dinheiro e cumpre as duas funções”, explica. Já a reforma trabalhista não traz receita, mas aumenta a produtividade do país.

Setor público deixou de funcionar

O setor publico se tornou disfuncional, tanto no ponto de vista fiscal quanto regulatório, afirma Franco. E mais ainda em sua atividade direta, como estado empresário. “É um fracasso, não dá para dizer outra coisa olhando para Petrobras e Eletrobrás”, diz. É preciso repensar a sustentabilidade do Estado, alerta. Mas é justamente dessa discussão que o Congresso sistematicamente se afasta, observa Franco. “É difícil, pois órgãos serão extintos e tem comunidades que são dependentes de atividades extintas que vão se opor.”

As reformas e as maiorias dispersas

Como regra geral, segundo Franco, o processo de reformas é complexo porque seus resultados não são percebidos pela maioria, enquanto as minorias prejudicadas pelas mudanças se mobilizam para combatê-las. “Tem sempre uma maioria dispersa que ganha e não se manifesta, mas uma minoria aguerrida que perde, e sabe que vai perder a razão de existir e vai lutar com todas as forças para que a reforma não aconteça”, explica. Para a minoria, o ganho é tão diluído que ninguém repara. “O contribuinte, o consumidor, são abstrações, não vão à Brasília aplaudir, quem vai é minoria para reclamar.”

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