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Saída da Petrobras do Torre Almirante em fevereiro mostra riscos e desafios dos fundos imobiliários

O Torre Almirante, um dos mais famosos prédios do Rio de Janeiro, perde agora em fevereiro seu inquilino, a Petrobras, o que servirá de teste para dois dos principais fundos imobiliários do mercado, o BC Fund e o Fundo TA, ambos do BTG Pactual, conforme analisa a consultoria Uqbar, especializada em securitização. Em artigo publicado em seu portal de análises TLON, com base em dados do Anuário Uqbar Securitização e Financiamento Imobiliário 2017, a consultoria mostra que a saída ocorre em um momento muito ruim, de forte crise no Rio de Janeiro, e pode ter impactos no segmento de fundos imobiliários como um todo ao mostrar os riscos de carteiras com um único imóvel e um só inquilino, os chamados monoativos. É também uma oportunidade de lembrar que os fundos imobiliários não são aplicações de renda fixa como alguns chegam a sugerir, mas investimentos em imóveis.

Caixa no térreo

O emblemático edifício de alto padrão, de 36 andares, construído e inaugurado há pouco mais de dez anos no Centro do Rio de Janeiro em local marcado por uma tragédia histórica na cidade, foi alugado em sua totalidade para a Petrobras. A exceção foi o térreo, onde funciona uma agência da Caixa Econômica Federal, cujo aluguel representa 1% da rentabilidade do edifício. Era época da exuberância precipitada do pré- sal e os donos eram dois fundos de investimento imobiliário (FII).

Pois o Torre Almirante perde agora seu inquilino, em meio à maior retração econômica do país, a uma situação fiscal pré-falimentar do Estado do Rio de Janeiro, a uma inversão aguda nas condições estruturais do mercado imobiliário carioca, e a um ajuste profundo na empresa carro-chefe da economia estadual, pra não dizer da economia brasileira.

Aluguel acima do mercado

Segundo a Uqbar, a abundância de recursos do inquilino na época explica um valor de aluguel no Torre Almirante acima do visto no mercado imobiliário de escritórios no Centro do Rio de Janeiro. Em dezembro de 2015, porém, já na nova realidade, de grave crise financeira e de endividamento, a Petrobras anunciou que deixaria o prédio, apesar de ter renovado o contrato meses antes, em fevereiro, com uma redução do aluguel de 13% até 2022. Em agosto do ano passado, os donos do Torre Almirante anunciaram a rescisão de fato do contrato e a desocupação em fevereiro.

Fundos imobiliários

Os dois FII donos do imóvel, ambos administrados pelo BTG Pactual Serviços Financeiros, o FII Prime Portfólio, que detém 60% do edifício e que, por sua vez, tem 100% de suas cotas detidas pelo FII BTG Pactual Corporate Office Fund (BC Fund), e o FII Torre Almirante (FII TA), que detém os outros 40% do edifício, têm direito ainda ao equivalente a quatro meses de aluguel por conta de multa de rescisão de contrato.

Fatia gorda do rendimento dos fundos

A receita mensal de aluguel do Torre Almirante que vinha sendo pago pela Petrobras alcança, no caso do BC Fund, R$ 4,1 milhões, ou aproximadamente 17,6% da sua receita total mensal em novembro de 2016, e no caso do FII TA, R$ 2,7 milhões, ou aproximadamente 99% da sua receita total mensal. Este aluguel equivale a aproximadamente R$ 164,9 por metro quadrado, levando-se em conta a área bruta locável do edifício de 41.468,6 metros quadrados.

Para Uqbar, a busca por substituição da Petrobras significa, por definição, uma busca também pela diversificação dos riscos de crédito e de ruptura/reposição de contrato do ativo desses dois fundos. ”Não se vislumbra no mercado o prospecto de um próximo inquilino da dimensão da Petrobras, que alugasse todo o edifício”, avalia a consultoria. Provavelmente, trata-se de uma busca por diversificação relevante, entre vários inquilinos.

Vacância inédita no Torre Almirante

Nas condições atuais do mercado de escritórios de alto padrão no Centro do Rio de Janeiro, a saída da Petrobras também significará o advento inédito de vacância, em algum nível, no Torre Almirante. Na avaliação estratégica dos donos do edifício, considerando-se, entre outras variáveis, o custo operacional de manutenção, o custo de oportunidade do mercado, o perfil das empresas potenciais ocupantes e as expectativas em relação ao desempenho futuro do mercado imobiliário na região, se determinará o valor dos alugueis que se buscará nas negociações.

Da perspectiva de um investidor de um fundo negociado na bolsa, levando-se em conta apenas o componente do fluxo de rendimentos médio de um FII de escritórios no mercado brasileiro, a expectativa atual de ganhos mensais é de aproximadamente 0,7%, estima a Uqbar.

Impacto negativo de 8,4%

Assim, sem se levar em conta custos operacionais, financeiros e reputacionais, mudanças de nível de aluguel e fatores de crédito e diversificação, com uma expectativa de dois anos para a ocupação de 100% de um edifício, o que significaria uma taxa média de 50% de vacância no período de 24 meses, o impacto para baixo no valor do fundo seria de 8,4%. Ou 50% vezes o retorno mensal de 0,7% vezes 24 meses.

Hipótese otimista

Mas a Uqbar admite que, talvez, dadas as condições atuais do mercado imobiliário carioca de escritórios no Centro do Rio, dois anos para ocupar 100% do Torre Almirante seja otimista demais. Além disto, para uma estimativa do impacto no valor do ativo, há ainda os componentes de custos operacionais, financeiros e outros já citados, entre eles, o principal seria a expectativa de alteração do valor médio do aluguel.

Para efeito de referência, incluindo a expectativa de devolução do Torre Almirante pela Petrobras, os relatórios de avaliação de mercado das consultorias JLL e da Cushman & Wakefield (CW) referentes ao final do terceiro trimestre de 2016 apontavam alguns dos seguintes dados do segmento de escritórios de alto padrão (incluindo imóveis AA e A no caso da JLL) no Centro do Rio de Janeiro, excluindo as regiões do Porto Maravilha e da Cidade Nova (além da Orla, Zona Sul e Barra):

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Quando se compara o valor de R$ 164,9 por metro quadrado, que o aluguel corrente pago pela Petrobras proporciona de receita para o BC Fund e o FII TA, com o valor de R$ 130,60 o metro do Preço Médio Pedido no terceiro trimestre, sem levar em consideração ainda o Desconto médio do Preço Fechado de 28% no terceiro trimestre, verificado para negócios em toda a cidade do Rio de Janeiro, constata-se um potencial não desprezível de redução de nível de aluguel em negócios futuros. Mesmo levando-se em conta alguma diferenciação entre a qualidade e atratividade do Torre Almirante e aquelas referentes à média dos edifícios considerados de alto padrão no Centro do Rio de Janeiro.

Seja qual for esta diferença esperada, sua expectativa deveria impactar, em proporção não tão distinta, o valor de mercado do Torre Almirante, diz a consultoria.

De fato, em dezembro de 2015, quando foi divulgado a intenção da Petrobras em rescindir o contrato de aluguel, mesmo levando-se em consideração alguma incerteza, na época, em relação ao desfecho das negociações que se seguiriam, o mercado reduziu, abruptamente, o valor dado para o Torre Almirante.

Cotas despencaram

Isso fica claro no gráfico da evolução de preço da cota do FII TA no mercado secundário, que historicamente se comportava quase como um título de renda-fixa de baixo risco. Com a diferença de que o movimento de forte valorização imobiliária até 2013 proporcionava uma valorização de seu preço, se equivalendo a um efeito de perfil de equity também em seu desempenho. Conforme ilustrado na Figura 1, de 30 de dezembro de 2015 (um dia após a divulgação da intenção de desocupação), até o dia 08 de janeiro de 2016, a cota sofreu uma queda de 19,5%, de R$ 1.746 para R$ 1.406 (ver gráfico).

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A forte queda do preço negociado da cota do FII TA no começo de 2016 foi, em grande parte, desfeita a partir do final do mês de março. Tal recuperação deve ser entendida no contexto de elevação do mercado secundário de cotas de FII como um todo, explica a Uqbar. Mas a longa demora pela definição da saída de fato da Petrobras do Torre Almirante, só anunciada em agosto (derrubando, então, em R$ 200, ou aproximadamente 10%, o seu valor), acabou por contribuir com o movimento de elevação do título durante o segundo trimestre.

Diversificação reduz perda do BC Fund

Já o BC Fund, que detém 60% do Torre Almirante, mas tal exposição é diversificada entre outros ativos em sua carteira, representando, aproximadamente, apenas 17,0% do seu patrimônio líquido, sofreu relativamente menor impacto por conta do evento Petrobras. Como mostra a Figura 2, de 30 de dezembro de 2015, até 08 de janeiro de 2016, a cota do BC Fund sofreu uma queda de 4,5%, de R$ 93,73 para R$ 89,49 (gráfico abaixo).

 

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Ainda em janeiro, o BC Fund, FII mais líquido do mercado, sofre prolongamento desta queda, da qual fica mais difícil separar suas causas. Outras vacâncias, o próprio risco da curva de juros, além do evento Petrobras e da tendência de um mercado em baixa punir mais o seu fundo mais líquido contribuíram para o movimento de queda.

Amortização reduz valor das cotas

Mais à frente, em maio o fundo fez uma relevante amortização com distribuição de valores aos cotistas, representando aproximadamente 14,2% do seu valor patrimonial. Tudo isto provocou bastante volatilidade no preço da cota. Mas ao final do ano de 2016, tal qual ocorreu com a cota do FII TA e com o mercado como um todo, impulsionado em grande parte pela queda da curva de juros na economia, a cota do BC Fund se aproximava do seu valor pré-evento Petrobras.

Fundos imobiliários em alta

A tendência de desempenho do mercado de fundos imobiliários em geral foi de subida desde fevereiro de 2016, em função, majoritariamente, do efeito da redução da curva de juros no mercado de renda-fixa, tendo o próprio IFIX, o índice setorial, se elevado de 1.326 pontos, em 02 de fevereiro de 2016, para 1.880, em 06 de janeiro de 2017, ou 41,8%. Isto se compara com a valorização do IMA-B, índice do mercado de Renda Fixa dos títulos indexados ao IPCA, que, no mesmo período, saltou dos 3.977 pontos para os 4.878 pontos, ou 22,6%.

Perdas com Torre Almirante

Em 06 de janeiro de 2017, os preços das cotas do FII TA e do BC Fund atingem os valores de R$ 1.810,00 e R$ 97,00 respectivamente (R$ 1.849 e R$ 96,17 hoje). Porém, mais significativo, estas duas cotas (des) valorizaram -11,4% e -2,6% de 29 de dezembro de 2015 até 29 de dezembro de 2016, ou, aproximadamente, no caso do BC Fund, devido ao ajuste do efeito de amortização, +8,5%. E isto se compara a uma valorização média das cotas de FII que investem em escritórios de aproximadamente +7,7%, levando-se em conta a média ponderada por negociações em dezembro de 2015 e dezembro de 2016.

Assim, a grosso modo, a cota do FII TA, o fundo que é 100% investido no Torre Almirante, foi ajustada para baixo em 19,1% (11,4% + 7,7%) em função do evento Petrobras, em relação às outras cotas de FII que investem em escritórios, estima a Uqbar, que questiona se esse ajuste é suficiente.

Ajuste forte

A gestão destes dois importantes fundos do mercado de FII, o BC Fund e o TA, tem um “desafio de monta” pela frente, a captura de novos inquilinos para todo o espaço do Torre Almirante. Por enquanto, o ajuste dinâmico de preço de cota ocorrido a partir do fim de 2015, quando da notícia da intenção de rescisão de contrato pela Petrobras, se mostra suficiente, no entendimento do mercado, para refletir a saída do inquilino do Torre Almirante.

A dimensão deste ajuste, assim, dá a entender que o mercado aposta em uma reocupação bastante robusta do Torre Almirante, em prazo não tão alongado, e, muito importante, a preços não tão distantes daquele contratado pela Petrobras, avalia a Uqbar. O desenrolar das negociações e contratações será acompanhado pelo mercado, pois o Torre Almirante é referência importante para o segmento imobiliário de escritórios e o BC Fund e o FII TA são referências importantes de um segmento do mercado de capitais que evoluiu, inspirou e cativou o universo de investidores, principalmente pessoa física, e que, para o desenvolvimento do país, deveria continuar sua trajetória de aprendizado e sucesso, conclui a consultoria.

 

 

 

 

 

 

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