O Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, um dos maiores do país, com 130 mil associados, teve de aumentar em mais de seis vezes, de 3,94% para 25,98%, o desconto mensal pago por aposentados e trabalhadores da ativa para cobrir um rombo estimado em R$ 5,6 bilhões. O aumento, de 559%, vale a partir de abril e incide diretamente sobre os benefícios e pensões pagos aos aposentados e pensionistas da instituição. Os funcionários na ativa pagarão o percentual sobre o valor do benefício futuro, ou Benefício Proporcional Saldado (BPS).
O novo percentual, aprovado em 5 de março, terá de ser pago pelos funcionários e aposentados pelos próximos 15 anos, até 2030. Segundo o Postalis, o impacto médio do aumento da contribuição sobre os salários dos funcionários na ativa será de 3,89%.
O forte reajuste das contribuições, segundo o Postalis, foi necessário para cobrir as perdas com investimentos e pela decisão da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) de não arcar com um pagamento relativo à Reserva Técnica de Serviço Anterior (RTSA) relativo a 2008. O aumento está sendo contestado pelos funcionários, que anunciaram que vão entrar com pelo menos duas ações contra a decisão.
Ações conta a ECT
Segundo a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios, Telégrafos e Similares (Fentect), a entidade deverá entrar com uma ação contra a ECT para que ela reconheça o valor que deve ao fundo relativo ao RTSA e retire a quantia do cálculo do déficit, e outra para que a empresa assuma o pagamento do déficit integralmente, se responsabilizando pela má gestão do fundo.
O novo reajuste, diz a Federação, “é mais um golpe para os trabalhadores”. Primeiro, porque reduz o salário, já comprometido, do funcionário. Segundo, porque embutido no cálculo do déficit, estaria a obrigação de a empresa pagar R$ 1,150 bilhões. A suspensão dos pagamentos da ECT ocorreu em 2014, o que teria ajudado a empresa a melhorar seu balanço artificialmente, segundo a Federação, que diz que não aceitará que os “desmandos de dirigentes ‘incompetentes’, colocados na direção do Postalis, sejam debitados na conta dos trabalhadores”.
Resultados insuficientes de investimentos
Já a Postalis diz que o rombo do fundo foi provocado por “resultados insuficientes dos investimentos” (prejuízos) de 2011 a 2014, “grande parte em decorrência de provisionamentos para perdas e desvalorização de cotas de investimentos feitos em períodos anteriores a 2012”. Houve também o impacto da redução da taxa de juros que é usada no cálculo do rendimento necessário para atingir as metas atuarias, que reduz a previsão de ganhos das aplicações do fundo, e também o efeito da suspensão dos pagamentos do RTSA pela empresa a partir de março de 2014, por ordem do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais.
Eike Batista
Entre as perdas do fundo com investimento estão investimentos no Grupo EBX, de Eike Batista. Segundo o Postalis, essas perdas, “representavam 1,6% dos investimentos em renda variável do Instituto”, que hoje não tem mais nenhum ativo do grupo em carteira.
Papéis da Argentina e Venezuela
Outra perda foi provocada por um fundo de investimento em papéis da dívida externa brasileira, o Brasil Sovereign II, que recebeu R$ 384 milhões de recursos do Postalis. Montado por uma gestora independente desconhecida, a Atlântica, o fundo contrariou a regulamentação, comprando papéis de outros países, e ainda por cima adquiriu títulos da Argentina e da estatal do petróleo da Venezuela, a PDVSA, que perderam seu valor. Os papéis da Argentina, que suspendeu os pagamentos da dívida externa no fim do ano passado, deram um prejuízo estimado em R$ 197 milhões em agosto e mais R$ 53 milhões em setembro de 2014. Os da PDVSA, por conta da forte queda do petróleo e das dificuldades econômicas da Venezuela, de mais R$ 20 milhões em janeiro deste ano. No dia 19, o fundo tinha patrimônio de R$ 135 milhões, beneficiado pela alta do dólar, que valoriza suas aplicações no exterior.
Gestor fugiu
O gestor do fundo, Fabrizio Neves, selecionado pelo Postalis junto com a gestora, fugiu do país após a descoberta das irregularidades. Investigações da Securities and Exchange Commission (SEC, a CVM americana) descobriram que Fabrizio era amigo de um dirigente do Postalis. O fundo de pensão processou o administrador da carteira, o banco americano BNY Mellon, alegando que a instituição deveria ter impedido a compra dos papéis. Em setembro, o fundo conseguiu bloquear R$ 198 milhões de contas do BNY Mellon por causa das perdas nesse fundo e em outros administrados pelo banco americano.
Perdas em bancos pequenos e Trendbank
Além desse fundo, o Postalis perdeu dinheiro em aplicações em papéis de bancos como o Cruzeiro do Sul e BVA e na financeira Oboé, que quebraram. Somente no BVA, a perda do fundo é estimada em R$ 350 milhões. O Postalis investiu também R$ 50 milhões em um fundo de recebíveis de crédito (Fidc) do Trendbank Banco de Fomento Comercial, que também se encontra em dificuldades. Em janeiro deste ano, o Trendbank tinha provisionado R$ 405 milhões dos seus R$ 434 bilhões em ativos para cobrir perdas.