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Tributação dos fundos fechados vai pegar endinheirados, mas não atrapalhará sucessão, diz advogado

A decisão do governo de tributar antecipadamente com o chamado come-cotas os fundos fechados vai pegar muitos endinheirados que aproveitavam uma brecha da lei para adiar o pagamento de impostos. Vai ainda garantir uma bela arrecadação para o governo. Além disso, obrigará várias casas de gestão de fortunas, os chamados family offices e private banks, a mudar a forma como hoje cuidam do patrimônio desses grandes investidores, explica o advogado Guilherme Cooke, sócio do escritório Velloza Associados. Ele lembra, porém, que ainda não se sabem todos os detalhes da lei ou da norma da Receita que vai regular a tributação, por isso ainda podem surgir mudanças.

Fechado nem sempre é exclusivo

Primeiro, porém, é preciso diferenciar fundos fechados de fundos exclusivos, afirma o advogado, especializado em gestão de recursos. Isso porque os fundos podem ser fechados ou abertos ou ainda restritos, de acordo com suas regras de resgate. E ambos podem ter a limitação de um único cotista, tornando-se exclusivos fechados ou exclusivos abertos. Se o fundo tiver mais de um cotista, mas como um grupo, ele será um fundo restrito, mas não exclusivo.

Portanto, os fundos exclusivos não são necessariamente fundos fechados. Eles são carteiras que possuem apenas alguns titulares, uma família ou grupo de investidores apenas ou uma empresa, mas não seguem as mesmas regras dos fechados, que têm prazo para acabar e resgate só após assembleia de cotistas. Os exclusivos abertos são usados para simplificar os investimentos e a gestão de caixa de um grande cliente ou compensar perdas entre ativos e dispensar o pagamento de imposto em cada operação. Mas estão sujeitos ao come cotas duas vezes por ano se forem de renda fixa ou multimercados.

Prazo para acabar e sem resgate

Os fundos fechados não tem nada a ver com o número de investidores, mas com sua estrutura jurídica e de funcionamento, explica Cooke. O fundo fechado tem prazo definido e amortizações definidas previamente ou definidas em assembleia de cotistas. “Não dá para entrar e sair quando se quer, é ilíquido”, diz. Portanto, podem existir fundos fechados exclusivos ou não.

Pela lei, os fundos fechados estão livres do come cotas, assim como os fundos abertos de ações, de private equity ou participações (FIP) e os imobiliários (FII). Já os fundos multimercados abertos pagam. Estão sujeitos ao come cotas, portanto, todos os fundos abertos de renda fixa e multimercados.

Confusão do ministro

Cooke observa que o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, misturou as coisas, ao anunciar a tributação e citar tanto os fundos fechados quanto os exclusivos. “Mas são dois pedaços do mercado”, afirma o advogado. Isso porque boa parte das gestoras de recursos que montam fundos fechados para os clientes de acordo com sua estratégia, mas que não são exclusivos. Em geral, seus investidores são os integrantes da família. “Não é tão comum que um fundo fechado seja exclusivo no setor de wealth management ou de private banking”, diz Cooke.

Facilidade para sucessão

Como não permite resgates, o fundo fechado negocia suas cotas no mercado secundário. Por isso, e por suas vantagens fiscais, ele se tornou um instrumento para planejamento sucessório também. “O pai dava as cotas do fundo para os filhos com reserva de usufruto, para eles poderem usar quando ele morresse”, afirma Cooke.

Assim, a família contrata um gestor e cria um fundo fechado e coloca os bens para compensar perdas entre as aplicações ou reduzir o imposto. O fundo fechado também é mais organizado do ponto de vista de estrutura. E não paga come cotas, nem precisa se preocupar com resgates. “Foi um instrumento importante de consolidação de patrimônio das grandes famílias”, explica Cooke.

Anos sem pagar imposto

O problema para a Receita, diz o advogado, é que como não estava sujeito ao come cotas, o fundo fechado poderia ficar anos sem pagar imposto sobre ganhos, apenas diferindo (registrando) o imposto a pagar para, no seu fechamento ou em um caso de resgate, pagar o tributo. Há casos em que o gestor monta um fundo fechado multimercado e coloca dentro dele um fundo imobiliário que é dono dos imóveis da família, um fundo de participações com as ações da empresa da família e aplicações de renda fixa. Como o fundo pode ter prazo de 8, 15, 20 anos, a família não pagaria nunca os impostos sobre os ganhos. “Pode-se fazer um fundo de oito anos e depois ir renovando”, explica.

Os fundos fechados foram criados para aplicar em ativos ilíquidos, como fundos de participação em empresas ou títulos de empresas com 10 anos de prazo e sem mercado secundário, e não poderiam portanto estar sujeitos a pedidos de resgate. Por isso, sempre contaram com proteção de não ter come-cotas.

Jeitinho brasileiro

Mas, como em tudo na vida, o fundo fechado também teve sua função desvirtuada, observa Cooke. Boa parte do mercado acabou usando a estrutura para driblar o imposto. “Se dois amigos abrem um fundo fechado, podem pedir o resgate a qualquer momento, pois a assembleia são os dois”, diz. E o fundo fechado virava um fundo aberto sem come cotas. Essa situação não agradava a Receita, que há anos pede para mudar a legislação.

A Associação Nacional das Instituições de Mercado Aberto tentou acalmar a Receita. Mas, na autorregulamentação, acabou definindo que os fundos exclusivos não poderiam fazer mais de uma amortização por ano. E o fundo fechado escapou de novo. “Uma coisa é a regulamentação do tipo de condomínio que o fundo vai adotar, se aberto ou fechado, e outro é o tipo de público, que pode ser geral, restrito ou exclusivo, pela Instrução 555 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)”, explica Cooke. Assim, independentemente de ser fechado ou aberto, o fundo pode ser exclusivo.

Vários investidores

A realidade de mercado, porém, é que os private banks e wealth manages não montam fundos exclusivos, mas sim fundos fechados, com mais de um CPF e vários investidores. “Se a Receita for pegar só os fundos exclusivos, vai pegar no máximo umas 10 carteiras que não pagam o come cotas”, diz.

Bolada na primeira cobrança

De qualquer maneira, como os fundos exclusivos não serão impactados, pouco do varejo será afetado, afirma Cooke. A medida deve alcançar o topo da pirâmide. E a previsão de arrecadação é interessante, diz o advogado. “Tem um monte de fundo fechado diferindo imposto há 6, 7 anos, e vai ter de pagar de uma vez os 15% de imposto sobre os ganhos logo no primeiro come cotas”, afirma.

Esse será o grande momento de arrecadação, que pode ocorrer em setembro ou mais provavelmente em maio, devido à regra que estabelece que o imposto de renda não pode ser mudado no mesmo ano da cobrança. Já no come cotas seguinte, em setembro do ano que vem, o imposto será apenas sobre os seis meses de ganhos anteriores. “O governo vai receber uma bolada, vai encher o bolso agora no primeiro come cotas e depois os valores serão menores”, diz.

Mudança no come cotas

Há ainda a discussão se a cobrança do come cotas também vai mudar, como pediu a Anbima, de duas para uma vez ao ano.

Mudança na estrutura dos fundos

A mudança exigirá também que os gestores de fortunas mudem sua estrutura de fundos fechados, observa Cooke. Hoje, eles juntam todos os tipos de aplicação embaixo de um fundo multimercado fechado, que pode aplicar em qualquer coisa, e investem também em fundos de ações, imobiliários ou de participações. Já com o come cotas, aplicações em fundos de ações ou fundos imobiliários ou mesmo fundos de participação perderão sua eficiência, pois estarão indiretamente sujeitas também ao imposto semestral, o que não ocorreria se o cliente investisse diretamente. “Será preciso criar fundos fechados separados para renda fixa, com come-cotas, e outros de renda variável ou fundos imobiliários, sem come cotas”, explica. Mas, ao fazer essa separação, o investidor vai acabar pagando o imposto de renda.

Mesmo assim, a vantagem dos fundos fechados para sucessão familiar continuarão, acredita Cooke. “Eles não eram só para escapar do come cotas, eles têm vantagens para o planejamento sucessório e vão continuar servindo para isso”, diz. “E qualquer alternativa é pior”, alerta.

Se o gestor for optar por gerir os recursos em uma carteira, além do custo operacional mais alto, não poderá compensar perdas e ganhos entre ativos, como renda fixa com variável. Outra opção, fundos de previdência, tem muitas restrições para investimentos e ainda uma tributação bastante elevada, que só diminui após 10 anos. “Parece pouco provável que o mercado vá migrar de fundos fechados para outras alternativas”, diz. Mesmo os fundos no exterior, os fundos offshore, também vão estar sujeitos a ser fiscalizados pela Receita com a maior integração entre os governos do Brasil e do exterior.

Já o fundo fechado continua indicado pra planejamento sucessório, afirma Cooke. É o único que permite doar a cota aos filhos em vida, com usufruto. E o fundo fechado protege também o gestor, pois como em geral essas carteiras são consolidadoras, com todos os ativos das famílias, desde títulos públicos até um monte de ativos ilíquidos, como fundos de participação em empresas e imóveis, não é possível pedir o resgate a qualquer momento. “Se montar um fundo aberto, o gestor terá de dar liquidez para os resgates e mesmo colocando um prazo longo para pagar os saques ainda corre o risco de não ter ativos para vender para pagar a tempo”, explica.

 

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