Arena Especial, Política Econômica

Pastore: desemprego volta a um dígito no fim de 2017; país precisa perder medo de empregar

O desemprego, que está hoje em torno de 11,3% dos trabalhadores, será uma das variáveis que vai demorar mais para melhorar na economia. Mas, a partir de janeiro de 2017, devemos ter sinais favoráveis de geração de emprego e depois redução de desemprego para um dígito no fim de 2017 e para 8% no fim de 2018. A avaliação é de José Pastore, sociólogo da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em emprego.

Pastore vê na disposição do agora presidente Michel Temer um claro direcionamento para estimular o investimento em infraestrutura, que tem um efeito multiplicador grande em várias áreas e no emprego. Ele observa, porém que o emprego não voltará tão rapidamente aos níveis de antes da crise, pois as empresas ainda têm muito medo de empregar. “Enquanto não eliminarmos o medo de empregar, a economia não vai poder voltar a contratar e, com isso, cresce o número de pessoas sem registro em carteira e contratadas como pessoa jurídica”, diz.

Ele lembra que, quando as regras da economia encarecem demais um insumo ou criam instabilidade ou insegurança em seu uso, o agente econômico busca alternativa. E, com o trabalho, ocorre a mesma coisa. É isso faz crescer o funcionário pessoa jurídica ou o microempreendedor individual.  Falando sobre mercado de trabalho e previdência no 37º Congresso de Fundos de Pensão, Pastore diz que três fatores influenciam o crescimento dos planos previdenciários: o emprego, o desemprego e o medo de empregar.

Desemprego entre qualificados

No momento, o emprego vem caindo fortemente e o desemprego cresceu e atingiu os chefes de família, inclusive os de maior renda e escolaridade. “O desemprego chega a pessoas qualificadas, e se apresenta de longa duração,  com mais de 12 meses de procura por uma vaga”, diz. Administradores, engenheiros, advogados sem trabalho há mais de 12 meses cortam gastos e reduzem seu padrão de vida, cortam a escola, devolvem o apartamento, corta plano saúde e, com isso, afetam toda a sociedade. E essa mudança de cenário foi muito rápida. Pastore lembra que, há dois anos, havia um apagão de mão de obra, com empresas com dificuldades em preencher vagas. “Em um ano e meio, mudou tudo, e o desemprego é o primeiro fator a reduzir a arrecadação da previdência”, diz.

Custos chegam a 102,5% do salário

Outro fator que afeta a criação de emprego é o custo da mão de obra. Pastore cita o exemplo do 13º salário e faz uma distinção entre remuneração e benefício. Ele lembra que a remuneração é  paga em contrapartida a um trabalho efetivamente realizado. E o 13º salário não se refere ao trabalho efetivamente realizado, diz o especialista. Ele lembra que, na Europa, há um benefício semelhante, a gratificação de Natal, que não é obrigatória. No Brasil, porem, uma serie de despesas incidem sobre o salário, como INSS, FGTS, contribuições ao sistema ‘S’, planos de saúde e seguro. Somando todas essas despesas, elas representariam 102,46% do salário em custos e encargos. Ou seja, para um salário de R$ 1 mil, a empresa pagaria R$ 2.020,46 por funcionário.

E há outros que incluem mais benefícios na conta, como vale refeição e vale transporte, benefícios quase compulsórios, o que faria o custo sobre o salário chegar a 183%. “No Brasil há um custo elevado para se gerar um emprego, por isso as empresas pensam duas vezes em gerar emprego formal, e nem todas conseguem pagar isso e partem para a informalidade, o que afeta a previdência pois reduz o número de contribuintes capazes de honrar aportes mensais continuados”, diz Pastore.

Medo de empregar

Mas a maior preocupação do especialista é com o medo de empregar, e que pode fazer com que, mesmo com a retomada da economia, não surjam novas vagas formais, com as empresas optando pela informalidade. Esse medo vem da rigidez de salários, que, pela lei, só são flexíveis para cima. Mesmo em recessão, os acordos negociam aumentos, para corrigir a inflação, uma herança dos períodos de hiperinflação e indexação da economia. Pastore lembra que a própria Constituição, porém, permite reduzir salários e que muitas categorias profissionais estão tomando a iniciativa de reduzir os ganhos e as horas trabalhadas para não aumentar o emprego. “Mas os bancários negociam um aumento real de 5% neste momento”, afirma.

Hora de 52 minutos

Para Pastore, o principal problema para a retomada do emprego é o medo de empregar e o modo como o país vem administrando normas e regras que regulam o trabalho. Ele critica as leis do trabalho e a Justiça do Trabalho. “Na lei, há regras muito rígidas que levam o empregador a temer abrir uma vaga”, diz. Ele dá alguns exemplo. Pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a hora noturna tem 52 minutos e 30 segundos, e não 60. “Se um dia o Brasil mudar isso para 60 minutos, o mundo dirá que finalmente o Brasil aderiu à hora universal”, ironiza. Outra determinação da lei é que que as promoções sejam feitas primeiro por antiguidade e depois pelo mérito. Ou que toda mulher, para fazer hora extra, precisa descansar antes 15 minutos.

Terceirização sem regras

Ele destaca ainda a terceirização do trabalho, que não tem legislação no Brasil, mas apenas uma súmula, a 331, que permite terceirizar a atividade meio, e não a fim. Mas algumas empresas terceirizam e depois descobrem na Justiça do Trabalho que a atividade era fim e precisam contratar os funcionários e pagar atrasados com juros e correção. “Seria preciso, portanto, regulamentar a tercerizacão para deixar claro em que casos ela pode ser usada, para acabar com essa insegurança”, diz especialista.

Jurisprudência impede acordos

Outro problema está na jurisprudência da Justiça do Trabalho. Assim, quando empregados decidem que vão reduzir a hora do almoço em alguns minutos para sair mais cedo ou não trabalhar aos sábados, a Justiça anula o acordo e obriga a empresa a pagar como hora trabalhada a diferença. Há também o entendimento que a hora extra continuada e repetida não pode ser retirada e passa a ser um direito do trabalhador. “Isso mostra por que há esse medo de empregar, que assusta muito no Brasil”, diz.

Mais de 3 milhões de ações trabalhistas por ano

Segundo Pastore, o reflexo dessa jurisprudência é o elevado número de ações na Justiça do Trabalho. O Brasil, diz o especialista, tem em média 3 milhões de novas ações trabalhistas por ano, um dos maiores volumes do mundo.

Vale o negociado, sem mudar a lei

Para reduzir o medo de empregar, Pastore diz que não é preciso mudar a lei, mas apenas valorizar a negociação. “Se não gostarem da negociação, volta para a lei”, diz. Assim, patrões se empregados poderiam negociar termos diferente e, e se não der certo, volta a valer o que dizia a lei. “Pelo clima político, acho que essa proposta pode avançar no Congresso”, diz.

Três medidas contra o medo de empregar

Outra regra que permitiria o aumento do emprego seria a regulamentação da terceirização, que já está no Congresso. E a criação de novas formas de contratação, temporária, que poderiam ajudar, por exemplo, os trabalhadores de mais idade ou mais jovens. “Hoje isso é fundamental, os jovens representam 25% dos desempregados, mais que o dobro da taxa geral”, diz. Em outros países, explica, as empresas podem contratar jovens com menos encargos que poderão depois ser efetivados.

Essas medidas ampliariam o efeito dos investimentos de infraestrutura e ajuste das contas contas públicas para reativar a economia. “Seriam três pilares para acabar com o medo de contratar, a prevalência do negociado entre as partes, a regularização da terceirização e novas formas de contratação”, explica.

Sindicatos de verdade

Ele diz ainda que há uma distorção no Brasil que favorece a criação de sindicatos sem uma ligação direta com os trabalhadores ou a sociedade e que precisa ser resolvida para que os acordos funcionem. Segundo Pastore, há no Brasil 16 mil sindicatos laborais, em sua maioria em busca da contribuição sindical compulsória paga pelo empregado e pela empresa. “Isso afeta representatividade desses sindicatos, que não têm força”, diz. Para ter representatividade, o sindicato tem de ser dominado pela categoria. “Hoje, muito sindicato não quer associado, só quer receber o repasse da contribuição”, diz.

Tecnologia reduz o emprego

Além das questões típicas do Brasil, Pastore diz que há outros problemas, universais, que também ameaçam o emprego, como a tecnologia. Ele citou um estudo da Universidade de Oxford que indica que 47% das profissões nos Estados Unidos e 9% na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) desaparecerão, substituídas por robôs ou pela tecnologia. “E a proteção das leis só se limita a quem está empregado”, afirma.

Artigo AnteriorPróximo Artigo