Arena Especial, CVM

CVM multa ex-presidente da Brasil Telecom por contratar escritório para espionar ministro

A Comissão de Valores Mobiliários multou Carla Cico, ex-diretora presidente da Brasil Telecom, que foi comprada pela Oi, a pagar multas de R$ 1,1 milhão por contratar escritórios de investigação para espionar profissionais ligados à Telecom Itália e ao governo federal. As investigações buscavam levantar evidências que comprovassem a atuação de integrantes da Telecom Itália, então sócia da Brasil Telecom, e do governo contra o Opportunity, que na época era responsável pela gestão da empresa de telefonia, apesar do descontentamento dos sócios.

A empresa vivia em constante conflito entre a administração da Brasil Telecom, exercida pelo Opportunity, que tinha um mandato para administrar a empresa com independência mesmo não tendo participação no capital, e os sócios, que eram a Telecom Itália e os fundos de pensão de estatais. Com o governo Lula e sua indisposição com o principal executivo do Opportunity, Daniel Dantas, a pressão pela saída da gestora do comando da empresa nos bastidores e na Justiça aumentou, até que outros acionistas aceitaram rever o acordo. Antes, porém, houve o episódio da espionagem de altos escalões do governo, incluindo o então ministro das Comunicações, Luiz Gushiken, a pedido de Carla Cico.

Carla foi condenada pela contratação, em nome da Brasil Telecom,  dos escritórios  Kroll, NERA e FTI, cujo trabalho interessava mais ao Opportunity do que à empresa. Também foram condenados outros administradores e membros do conselho fiscal da empresa. Eles foram inocentados, porém, da acusação de terem contratado também cinco escritórios de advocacia.

Em 22 de julho de 2004, a imprensa anunciou que a Brasil Telecom teria contratado a Kroll para investigar pessoas ligadas a Telecom Itália e integrantes do governo brasileiro. De acordo com a matéria, as investigações serviam possivelmente aos interesses do Opportunity, controlador da Brasil Telecom, e de pessoas ligadas a ele.

Na sequência, em 27 de outubro de 2004, a Polícia Federal deflagrou a chamada Operação Chacal, destinada a investigar se, no interesse do Opportunity e da Brasil Telecom, a Kroll havia se utilizado de métodos ilegais para espionar profissionais ligados à Telecom Itália e autoridades do governo federal.

Segundo o processo, após troca na administração da Brasil Telecom em 30 de setembro de 2005, os novos administradores, que sucederam os acusados na Companhia, denunciaram à CVM supostos ilícitos envolvendo a contratação daquelas sociedades e escritórios.

A partir dessas denúncias, a comissão de inquérito acusou Carla Cico, Paulo Pedrão Rio Branco e Carlos Geraldo Campos Magalhães (diretores da Companhia) por terem representado a Brasil Telecom na celebração dos respectivos contratos.

Quanto à contratação da Kroll, a acusação propôs a responsabilização de Carla Cico, que era diretora presidente, por não ter exercido as suas atribuições em linha com os fins e os interesses da Companhia, ao assinar, isoladamente (em infração ao estatuto social da Companhia), contrato de prestação de serviços com a Kroll em benefício do Opportunity (em infração ao disposto no caput e no § 2º, alínea “a”, do art. 154 da Lei 6.404/76).

A comissão de inquérito concluiu que o Opportunity também se beneficiou da contratação da NERA, propondo a responsabilização de Carla Cico e também de Paulo Pedrão Rio Branco, diretor financeiro da Brasil Telecom, que celebraram o contrato com aquela sociedade (infração ao disposto no caput do art. 154 da Lei 6.404/76).

Do mesmo modo, foi proposta a  responsabilização de Carla Cico no tocante à contratação da FTI, em suposto descumprimento ao caput e do art. 154 da Lei 6.404. Por ter assinado isoladamente o contrato, em desrespeito ao estatuto social da Brasil Telecom, Carla Cico também foi acusada por infringir o § 2º, alínea “a”, do art. 154 da Lei 6.404.

Carla Cico, Paulo Pedrão Rio Branco e Carlos Geraldo Campos Magalhães ainda foram acusados pela contratação dos cinco escritórios de advocacia, em desrespeito os interesses da Brasil Telecom, caracterizando infração ao art. 154 da Lei 6.404.

Além disso, a comissão de inquérito propôs a responsabilização de Daniela Maluf Pfeiffer, Eduardo Cintra Santos, Eduardo Seabra Fagundes, Francisco Ribeiro Magalhães Filho, Gilberto Braga, Marcos Nascimento Ferreira, Maria Amália Delfim de Melo Coutrim, Ricardo Wiering de Barros e Rodrigo Bhering de Andrade, na qualidade de membros do conselho de administração (CA) da Brasil Telecom, por violação ao dever de diligência, previsto no art. 153 da Lei 6.404.

A acusação apontou três supostas falhas na atuação dos conselheiros como evidências dessa violação. A demora na realização da reunião      do CA que analisou os sinais de irregularidades na contratação da Kroll. A omissão dos conselheiros em verificar que o contrato entre Brasil Telecom e Kroll foi assinado somente  por Carla Cico, em desacordo com a regra do estatuto social que exigia a assinatura de dois diretores. E a superficialidade da investigação conduzida pelos conselheiros acerca da regularidade do escopo da contratação da Kroll.

Quanto aos conselheiros fiscais, a comissão de inquérito propôs a responsabilização de Luiz Otávio Nunes West, Gilberto Braga, Jorge Michel Lepeltier e Luiz Fernando Cavalcanti Trocolli, por terem agido também com falta de cuidado e de diligência no desempenho da suas funções de fiscalizar os atos da administração da Companhia em relação ao caso Kroll (em infração ao disposto no caput do art. 153 da Lei 6.404, a eles aplicável em função do art. 165 da mesma lei).

A comissão ainda entendeu que a conduta dos conselheiros fiscais foi contrária ao seu dever de diligência por: não exigirem do diretor      jurídico da Companhia comprovação de sua argumentação de que a consultoria  da Kroll visava a proteger interesses legítimos da Companhia. não observarem a contratação,  em excesso de poderes, da Kroll por Carla Cico. Os conselheiros também não teriam examinado  a adequação das despesas com honorários advocatícios aos interesses da Brasil Telecom.

Em seu voto, em relação à contratação dos serviços da Kroll, o diretor relator do processo, Pablo Renteria, entendeu que partes substanciais de um dos cinco relatórios apresentados pela empresa no desenvolvimento dos seus trabalhos foram dedicadas à análise de temas de interesse exclusivo do Opportunity, que se beneficiou dos serviços sem ter arcado com os honorários daquela empresa. Assim, Pablo Renteria concluiu que Carla Cico, na qualidade de representante da Brasil Telecom na contratação dos serviços da Kroll, não teria agido conforme determina o art. 154 da Lei 6.404.

O relator também entendeu que Carla Cico violou esse mesmo artigo ao contratar os serviços da NERA, tendo verificado, nos autos, correspondências apresentadas pela comissão de inquérito que comprovaram que os serviços dessa empresa também visavam atender aos interesses do Opportunity, apesar de integralmente custeados pela Brasil Telecom.

O relator também considerou Paulo Pedrão Rio Branco responsável por essa contratação, posto que, embora não tenha conduzido o processo de contratação (guiado por Carla Cico), anuiu com os termos da carta-contrato, que demonstrariam, de forma clara, que o serviço seria prestado em favor do Opportunity.

Quanto à contratação da FTI, também realizada por Carla Cico, Pablo Renteria classificou como robustos e convergentes os indícios de que a empresa foi contratada para atender, além dos interesses da Brasil Telecom, os interesses do seu então acionista controlador. Assim, também em relação à FTI, Carla Cico não teria exercido suas atribuições no interesse da Companhia, em violação ao art. 154 da Lei 6.404.

Ainda sobre a contratação da FTI, o Diretor Relator entendeu incabível a acusação de ato de liberalidade, vedada pela alínea “a” do § 2º do art. 154 da Lei 6.404, imputada a Carla Cico por ter assinado isoladamente o contrato com essa empresa, violando o estatuto social da Brasil Telecom.

Para Renteria,  atos de liberalidade são aqueles que diminuem o patrimônio social sem a devida contrapartida ou adequada vantagem econômica para a companhia, o que não se confundiria com vício de representação da companhia na celebração de determinado negócio jurídico com terceiro. O fato de a acusada ter assinado o contrato em desacordo com o estatuto social, contudo, agravaria a sua conduta analisada no espectro da infração ao art. 154.

Sobre a contratação dos escritórios de advocacia, o relator entendeu não haver motivos suficientes para entender que os respectivos contratos tenham sido celebrados de modo a beneficiar pessoas estranhas à Companhia.

Nesse sentido, Renteria afirmou não haver irregularidades no custeio, pela Brasil Telecom, da defesa de Carla Cico por atos praticados na qualidade de diretora presidente da Companhia. Ademais, quanto à contratação de diferentes escritórios de advocacia para a atuação em processos relacionados a uma mesma operação, Pablo salientou que a quantidade de escritórios não seria elemento suficiente a levar à responsabilização dos acusados.

Assim, Pablo Renteria votou pela absolvição de Carla Cico, Carlos Geraldo Campos Magalhães e Paulo Pedrão Rio Branco da acusação de infração ao disposto no art. 154 da Lei 6.404, em razão da contratação dos escritórios de advocacia.

Com relação à acusação feita aos membros do conselho de administração da Brasil Telecom e a alegada demora para realizar reunião do conselho de administração, Pablo Renteria entendeu que o atraso de quatro meses na realização da reunião (desde as matérias jornalísticas sobre eventuais irregularidades na contratação da Kroll) não seria suficiente para, no caso concreto, caracterizar falta de diligência por parte dos acusados.

O Diretor também discordou da acusação da comissão de inquérito de que os acusados teriam falhado ao não verificar que o contrato fora assinado somente por Carla Cico. Isso porque outras versões do contrato com a Kroll, devidamente assinados por Carla Cico e Paulo Pedrão Rio Branco, foram apresentadas pelas defesas.

Contudo, o Diretor Relator considerou que os conselheiros da Brasil Telecom descumpriram seu dever de diligência em razão da superficialidade das investigações por eles conduzidas.

Para Renteria, havia claros sinais de alerta sobre as irregularidades, mas os conselheiros optaram por confiar e dar-se por satisfeitos com os esclarecimentos prestados por Carla Cico, a principal suspeita do cometimento das irregularidades em questão.

Assim, para Pablo, seriam necessárias diligências adicionais, como a análise dos próprios relatórios elaborados pela Kroll, o que os conselheiros não fizeram.

O Diretor Relator ressalvou, no entanto, a situação do conselheiro Eduardo Cintra Santos, visto que ele não estava presente na reunião do conselho de administração ocorrida em 22/11/2014, em que se decidiu considerar os esclarecimentos prestados por Carla Cico suficientes para o encerramento da investigação.

Por fim, Pablo Renteria analisou as condutas dos membros do conselho fiscal. Primeiramente, concluiu que não houve falha no sentido de verificar se o contrato havia sido firmado por apenas um diretor, em violação ao estatuto social, como já havia entendido em relação aos membros do conselho de administração.

Pablo também discordou quanto à acusação de que os conselheiros não teriam fiscalizado devidamente a contratação dos escritórios de advocacia, pois não identificou qualquer sinal de alerta em relação a irregularidades nesse quesito.

Contudo, o diretor verificou que a investigação conduzida pelos conselheiros fiscais também ocorreu de maneira superficial, baseada, preponderantemente, nas informações recebidas do diretor jurídico não estatutário, subordinado de Carla Cico, a principal suspeita das irregularidades.

Com base nessas conclusões, o Colegiado da CVM decidiu  multar Carla Cico em R$ 200 mil por não ter agido no interesse da Companhia ao contratar os serviços da Kroll (infração ao disposto no art. 154 da Lei 6.404). Outra multa, de R$ 400 mil, foi por não ter agido no interesse da Companhia ao contratar os serviços da Nera. E uma terceira multa, no valor de R$ 500 mil, foi po não ter agido no interesse da Companhia ao contratar os serviços da FTI.

Paulo Pedrão Rio Branco foi multado em R$ 400 mil por, na qualidade de diretor financeiro da Brasil Telecom, não ter agido no interesse da Companhia ao  assinar o instrumento de contratação da NERA. Já Daniela Maluf Pfeiffer, Eduardo      Seabra Fagundes, Francisco Ribeiro Magalhães Filho, Marcos Nascimento      Ferreira, Maria Amália Delfim de Melo Coutrim, Ricardo Wiering de Barros e      Rodrigo Bhering de Andrade, na qualidade de membros do conselho de      administração, e Gilberto Braga, Luiz Fernando Cavalcanti Trocoli, Luiz Otávio      Nunes West e Jorge Michel Lepeltier, membros do conselho fiscal, receberam advertência por não terem atuado de forma      diligente para averiguar a procedência dos sinais de alerta que indicavam a possibilidade de ocorrência de irregularidades cometidas pelos diretores      da Companhia em relação ao escopo da contratação da Kroll.

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