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Artigo: seguro de vida, um mecanismo para a sucessão em empresas familiares

De acordo com alguns levantamentos, aproximadamente 90% das empresas brasileiras são familiares, o que é um número impressionante. O problema é que apenas 75% delas passam da segunda geração e, ainda pior, apenas 15% passam da terceira geração. Só 10% se perpetuam.

Isso é um indicativo claro de que, além dos riscos inerentes aos negócios, como fatores econômicos e de mercado, está acontecendo algo nesse tipo de empresa, que as faz tão difíceis de se tornarem longevas.

O grande problema enfrentado é a sucessão empresarial, momento no qual uma geração passa o bastão para a próxima, seja por opção, seja pela impossibilidade de se manter na ativa, incluindo aí os falecimentos dos sócios.

Mecanismos de sucessão

As empresas de maior sucesso nesse campo formam, desde cedo, mecanismos internos de preparação dos sucessores, com formação adequada tanto interna quanto externa, seja por programas feitos sob medida, seja em cursos regulares. Nestes mecanismos, uma coisa fica clara à todos os envolvidos, tanto da geração atual quanto da futura: Não é o laço familiar que fará de determinada pessoa o próximo diretor, mas sim sua capacidade gerencial e empresarial e seu alinhamento com os valores da empresa.

Um bom exemplo dessa política é a Tabasco, fabricante de pimentas entre outros produtos. Fundada em 1868, possui um plano de sucessão bem desenhado e que mitiga conflitos, premiando a competência. Do outro lado do espectro, podemos citar o conglomerado Matarazzo, que na década de 1930 chegou a empregar 6% dos paulistanos em 365 fábricas, mas que teve uma sucessão extremamente tumultuada, resultando em sua falência.

Neste artigo, até pelo espaço disponível e também pela amplitude do tema, não me aterei às melhores práticas para construir e gerir um programa de sucessão, o que também leva muito tempo para se consolidar. No entanto, abordarei um outro aspecto que aflige as empresas familiares em sua sucessão: O risco de um dos sócios falecer.

Morte de um dos sócios

Nestes casos, caso a empresa não tenha uma previsão já definida da sucessão, o que é raro, as cotas representativas de sua participação na sociedade entrarão no inventário e serão distribuídas conforme as regras legais. E isso pode ser muito ruim para a empresa!

Além do tempo para a definição da divisão dessas cotas para os demais membros da família, o que por si só já pode causar sérios problemas, há ainda um fator agravante: a pessoa ou as pessoas que se tornarão sócias da empresa, por terem recebido as cotas do falecido sócio, estarão aptas a exercer o cargo de direção na empresa?

Alinhamento de interesses

Será que existirá o necessário alinhamento de pensamentos, valores, práticas de gestão, postura, e tantos atributos entre os antigos sócios e os entrantes?

Infelizmente, na maioria dos casos, a resposta é não. E aí se inicia um processo de desgaste na diretoria que vai se irradiando para os outros setores da empresa, que começa a perder o rumo e o foco, com disputas internas tomando o lugar das disputas de mercado contra os concorrentes e levando a energia da empresa a ser desperdiçada em conflitos, que não precisavam acontecer.

Barreiras para os familiares

Existem empresas nas quais o estatuto e/ou acordo de acionistas prevê que familiares não podem assumir o lugar do falecido, mas sem previsão de como pagar a família. Em outras, é necessário ter habilitação específica para fazer parte da sociedade (escritórios de advocacia ou de engenharia, por exemplo). Ou seja, os herdeiros “não podem herdar” as cotas. Nestes casos, a confusão está formada.

Neste sentido, a preparação da sucessão patrimonial de todos os sócios de empresas familiares é muito importante, mas envolve uma série de questões, inclusive fora da empresa e de foro íntimo de cada família, que tornam esse processo complexo e por vezes muito demorado, dadas todas as variáveis: Cada sócio pode optar por mecanismos como testamento, doações em vida com ou sem usufruto, entre outros.

No entanto, a própria empresa pode definir um mecanismo para a sucessão específica das cotas de seus sócios, sem que todos precisem preparar suas sucessões patrimoniais completas, com os problemas já listados.

Seguros estruturados

Um mecanismo, ainda pouco conhecido, é a utilização de seguros de vida estruturados, de forma a atender especificamente a necessidade aqui colocada.

A estruturação do produto se dá com um levantamento sobre o valor da empresa – normalmente feito por alguma técnica de valuation por empresa especializada no setor, contratada para esse fim. Com esse número definido e as participações de cada sócio conhecidas, faz-se um seguro de vida para cada sócio, com o valor segurado correspondente à sua participação no valor da empresa e a empresa como beneficiária.

Assim, na ocorrência do sinistro, a empresa receberá esse valor, que será revertido imediatamente para a aquisição das cotas dos familiares do antigo sócio. Com as cotas em poder da empresa, uma nova distribuição é feita entre os sócios restantes.

Contrato Social

Para que esse procedimento ocorra sem problemas, é fundamental que o contrato social da empresa seja alterado, incluindo nele os procedimentos descritos aqui de forma detalhada. Outro ponto que facilita muito o processo é obter uma anuência escrita dos familiares dos sócios, sobre a futura venda das cotas, pelo valor acordado. Isso evita contestações posteriores.

Com esse procedimento, a empresa evita casos comuns, como o de ter em seu board um novo membro não alinhado e/ou preparado para a função como o cônjuge, filho(a) ou mesmo genro ou nora de um dos sócios.

É a própria empresa que arca com os custos desses seguros e poderá ficar tranquila quanto à sucessão, dado que não haverá mais a possibilidade de entrada inesperada de pessoas que não eram membros originais, ao menos enquanto não houver a definição de uma sucessão planejada e estruturada, como mencionado no início desse artigo.

Assim, de uma forma simples, muitas empresas poderiam evitar uma série de graves problemas de gestão e também de conflitos familiares, melhorando ao mesmo tempo a liquidez das finanças das famílias dos sócios em um momento turbulento e a linha de gestão da empresa, contribuindo assim para sua longevidade e, em médio e longo prazos, melhorando as tristes estatísticas de perpetuidade de empresas familiares.

Importante alertar, no entanto, que pode haver casos nos quais a seguradora não aceite fazer o seguro de vida para algum acionista, situação em que outros meios devem ser buscados.

Valter Police, CFP® é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar (Associação Brasileira de Planejadores Financeiros). Email: [email protected]

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