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Artigo: em termos de carreira, é melhor ser “booksmart” (estudioso) ou “streetsmart” (esperto)?

Na vida corporativa, assim como nos mercados, tudo apresenta um caráter transitório e cíclico. O mercado acionário, os preços das commodities, petróleo, variam em períodos de expansão e depressão. A indústria da moda apresenta modernismos incríveis, mas também relança peças “vintage”, ou seja, a tendência de certos processos depende de fatores sociais, econômicos e culturais e apresentam um caráter cíclico.

Assim também é o mercado de trabalho. As demandas e expectativas sobre o perfil desejado e como esse perfil irá se desenvolver no ambiente corporativo depende também de fatores econômicos e sociais, e é obviamente cíclico. Dessa forma, planejar uma carreira depende não só de entender nosso momento socioeconômico, mas, de certa forma, prever como a sociedade se desenvolverá alguns anos à frente.

E como estamos agora? Inicialmente não basta dizer que estamos em uma economia do conhecimento, temos de entender o que isso significa. Quando efetuamos a transição de uma economia agrícola para uma economia industrial houve uma enorme mudança na estrutura de mão de obra. As vagas no mercado agrícola desapareceram e foram compensadas por um enorme crescimento no setor industrial, cujo requisito era uma qualificação mais robusta. Iniciou-se ali a era do know-how.

No início do século 21, a automação e terceirização reduziram o número de vagas no setor industrial que foram migradas para o setor de serviços (hoje nos EUA representa cerca de 80% da força de trabalho). Dentro do setor de serviços, temos o que chamamos de economia do conhecimento que abrange setores financeiro, tecnológico, segurador, científico, entre outros, ligados a serviços econômicos e que são os grandes motores da economia e onde se encontram os empregos mais bem pagos. O problema é que, ao contrário da transformação agrícola-industrial em que apenas os trabalhadores sem qualificação perderam seus empregos, as ocupações altamente qualificadas estão sendo tomadas por computadores. Sistemas estão substituindo médicos e cirurgiões, educação a distância, algoritmos e até a inteligência artificial faz programas que escrevem programas, substituindo até mesmo programadores.

O resultado é que pessoas altamente qualificadas, de certa forma, estão ficando “commoditizadas”. Acabam ganhando menos do que empreendedores, gênios financeiros e mesmo administradores da alta gerência. Vivemos o momento do empreendedorismo tecnológico, da gestão de pessoas, do know-how e do capital humano. Entender as dificuldades do cotidiano e de economias de varejo em escala pode ser a chave para a criação de produtos ou de mercados inovadores e com grande potencial. O fato é que o “streetsmart” está mais na moda do que o “booksmart”.

Assim, você deve acreditar que estou recomendando que foque em ser um “streetsmart” e abandone completamente o lado acadêmico? Errado.

Como lembra Freud, toda escolha é uma renúncia, então deve-se entender também o que se está deixando na mesa. Ser um “booksmart” traz, além de uma sólida formação, hábitos que são essenciais em uma organização, como, por exemplo, se preparar muito antes da tomada de decisão, ter disciplina para uma discussão técnica mais profunda, criar um processo para tomadas de decisão no longo prazo e ajuda a desenvolver uma capacidade mais crítica em relação a modelos e sociedade, podendo até explorar decisões baseadas em um pensamento espontâneo, em vez de um mais rebuscado.

Assim, qual o perfil ideal? Dizem que o “streetsmart” faz o avião decolar, mas o que o mantém no ar é o “booksmart”. O fato é que, por mais clichê que pareça, não existem fórmulas para o sucesso, mas tentar ser um perfil que não o seu é a fórmula perfeita para o fracasso. Nesse sentido, conhecer bem seu perfil e buscar explorá-lo dentro das oportunidades existentes é a melhor estratégia.

Temos ainda a necessidade psicológica de classificação e definição. Levy Strauss afirmava que o homem é um animal classificador: primeiro classifica e depois dá sentido e encontra utilidade. Portanto, ser prioritariamente um “booksmart” ou um “streetsmart” não impede que se desenvolvam características complementares que ajudarão no desenvolvimento da carreira. Por que alguém com forte formação acadêmica não pode possuir um espírito empreendedor? Ou mesmo entender das dificuldades da vida cotidiana e ter uma boa percepção da sociedade? Desenvolver “skills” complementares e ter a sensibilidade da leitura socioeconômica apropriada pode ser um grande diferencial. Nosso perfil não é dicotômico, somos complexos e temos características prioritárias, mas não excludentes. Podemos funcionar como um “tradutor” entre esses dois mundos. Estar na moda pode ser um facilitador exógeno, e de fato é, mas lembre-se de que tudo é cíclico.

Arthur Mario Pinheiro Machado é o autor do Apertis Verbis. Foi sócio da Ágora Corretora e responsável pela criação da primeira área de Electronic Trading do Brasil. É hoje um dos principais executivos da ATG (Americas Trading Group), que patrocina o blog Arena do Pavini. Faz parte do Conselho de Administração de diversas instituições.

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