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Artigo: as moedas virtuais e a segurança jurídica para usá-las

Por  Marcelo Godke Veiga e Felipe Fernandes Rocha

As chamadas “moedas virtuais” e a tecnologia por trás delas estão na moda. Apesar de, nos termos da lei brasileira, não serem tecnicamente moedas, tais ativos são cada vez mais utilizados para facilitar pagamentos internacionais. Por não ser necessário ter conta em banco para guardá-las ou transferi-las, os custos relacionados a tais atividades são normalmente bastante baixos. Para aqueles que viajam ao exterior, servem como facilitador no pagamento de despesas com hospedagem ou compras. Assim, podem ser utilizadas em operações semelhantes às de câmbio.

Mas, note-se, as moedas virtuais também possuem algumas desvantagens, dentre as quais podemos mencionar a enorme volatilidade de sua cotação e ainda terem aceitação bastante restrita. Ficaram conhecidas por serem constantemente utilizadas em atividades ilegais.

Vácuo legal-regulatório

Observe-se que, até mesmo pela novidade, as moedas virtuais acabam caindo em um vácuo legal-regulatório que pode levar à insegurança jurídica. Tal fato pode ser também visto como uma desvantagem, já que, a depender da interpretação que se dê a determinados dispositivos legais, pagamentos internacionais feitos com moedas virtuais poderiam ser considerados “compensação privada de créditos” e, portanto, ilegais.

Segundo determina o artigo 1º do Decreto n° 23.258/33, todas as operações de câmbio que não transitem por bancos habilitados a operar em câmbio nos termos da lei e da regulamentação brasileiras serão consideradas ilegítimas. Já o artigo 10 do Decreto-lei n° 9.025/46, com a redação dada pelo artigo 42 da recém-editada Medida Provisória n° 784/17, também trata do assunto e proíbe a compensação privada internacional de créditos ou valores de qualquer natureza, desde que em desacordo com a regulamentação do Banco Central do Brasil.

Controle sobre capitais

O que o legislador brasileiro pretendeu com tais regras foi manter controle rígido sobre todas as operações e pagamentos internacionais, inclusive para evitar evasão de divisas. Assim, caso um agente econômico tivesse créditos a receber de devedores externos e pagamentos a serem feitos a credores no exterior, deveria sempre cursar operações de câmbio separadas, sem qualquer possibilidade de se permitir a compensação privada no âmbito internacional.

Em caso de crise no balanço de pagamentos decorrente de falta de reservas internacionais, as autoridades monetárias conseguiriam, assim, racionar o envio de recursos ao exterior de maneira a proteger a economia brasileira. Outra preocupação do legislador foi criar mecanismos para que os beneficiários finais das operações de câmbio sejam efetivamente identificados. Além disso, tentou-se evitar o curso das operações em mercado “paralelo” ao oficialmente autorizado, sem o que as regras cambiais poderiam ser facilmente burladas.

Operação mais barata

Por terem custos menores, hoje, cada vez mais, agentes econômicos se utilizam das moedas virtuais para fazer remessas de recursos ao exterior, adquirindo tais ativos no mercado local e vendendo no momento seguinte no mercado externo. A compra é paga com reais e, na venda, é feito depósito em conta corrente mantida no exterior. Na prática, tal operação poderia ser considerada o equivalente econômico de um câmbio “trajetício”, só que fora do sistema bancário oficial.

Em interpretação claramente equivocada, tal operação poderia ser vista como a compensação privada internacional de créditos irregular. O primeiro equívoco desta interpretação vem do simples fato de a moeda virtual não ser moeda ou moeda estrangeira, ou seja, não há operação de câmbio propriamente dita.

O segundo equívoco se extrai do próprio artigo 10 do Decreto-lei n° 9.025/46, com a redação dada pela recém-editada Medida Provisória n° 784/17, que proíbe a compensação privada de créditos tão-somente “em desacordo com a regulamentação do Banco Central do Brasil”. Nos termos do Comunicado n° 25.306/14, o Banco Central do Brasil determina que não há qualquer proibição em cursar operações em moedas virtuais, mesmo que assemelhadas às de câmbio. O Banco Central do Brasil, no referido Comunicado, alerta que monitora a evolução da utilização das moedas virtuais, mas, ao mesmo tempo, deixa claro não serem ilegais.

Código do Consumidor

O PL 2303/15, em discussão na Câmara dos Deputados, propõe a inclusão das moedas virtuais e dos programas de milhagens aéreas na definição de arranjos de pagamento prevista na Lei 12.865/13, como também a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às operações conduzidas no mercado virtual de moedas. Ainda que nos pareça imprópria a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a operações em que a hipossuficiências de uma das partes não é a regra, uma vez aprovado, permitiria ao Banco Central do Brasil e ao COAF, discipliná-las e fiscalizá-las.

Mas hoje, note-se, não existe qualquer ilegalidade em se cursar operações internacionais de pagamento via aquisição e venda de moedas virtuais, o que ficou ainda mais claro pela edição da Medida Provisória n° 784/17.

 

Marcelo Godke Veiga e Felipe Fernandes Rocha são sócios de Godke Silva & Rocha Advogados. E-mail: [email protected] e [email protected]. As informações são de responsabilidade exclusiva dos autores. O portal Arena do Pavini não se responsabiliza por decisões de investimento tomadas com base nas informações.  

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