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Artigo: aposentadoria com espírito olímpico; reforma da previdência e juros são desafios

Há um certo sonho que boa parte dos brasileiros cultiva: se aposentar cedo, mantendo um bom padrão de vida para poder “curtir” a “melhor idade”.

Na minha jornada como planejador financeiro certificado e como professor de cursos de MBA, costumo ouvir poucos depoimentos de pessoas fazendo de forma espontânea o seu planejamento para a aposentadoria. Em geral, as pessoas que postergam esta decisão evocam Santo Agostinho: “Senhor, dai-me castidade e continência, mas não agora”. Ou seja, a preocupação com o futuro financeiro somente no futuro!

Gostaria de discutir dois pontos que estão à nossa porta e que irão afetar (provavelmente muito) o nosso futuro financeiro: a reforma da previdência e a provável queda das taxas de juros.

1 – Reforma da Previdência:

Por mais que seja indesejável, é essencial. A minha crença é que não teremos apenas uma reforma definitiva porque os desafios são tão grandes que é improvável resolver tudo de uma só vez. Destaco alguns desafios: instituir idade mínima entre 65 e 70 anos, igualar a idade de aposentadoria entre homens e mulheres, desvincular os benefícios dos reajustes concedidos ao salário mínimo da previdência, criar regra de transição e revisar as regras de pensão. O assunto é espinhoso! Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso temos este debate e a última reforma foi instituída em junho de 2015, quando foi aprovada a regra atual 85/95[1] pontos para fugir do fator previdenciário.

Abaixo, comento três pontos que mostram por que a regra atual é insustentável:

a – O Brasil gasta atualmente perto de 12% do PIB com a previdência (considerando os gastos com o regime geral do INSS, a previdência dos funcionários públicos e militares). Por outro lado, a carga tributária total em relação ao PIB é de 33%. Ou seja, um terço de tudo o que é arrecadado é gasto com previdência!

Este patamar de gasto é equivalente ao que o Japão e a Alemanha gastam. Porém, a nossa população de idosos (acima de 60 anos) é de apenas 11% contra 25% destes dois países.

b – O Governo Federal deseja aprovar a PEC 241 (Proposta de Emenda à Constituição) que limita o crescimento do gasto público federal ao IPCA (inflação oficial) do ano anterior. Hoje, o Governo Federal gasta 47% do seu Orçamento com Previdência (INSS, funcionários públicos e militares) e gastos sociais, que crescem à razão de 4% ao ano acima da inflação. Dos 53% restantes, é razoável supor que saúde e       educação tenham gastos que cresçam pelo menos igual à inflação. Assim, um conjunto de aproximadamente 20% das despesas federais deverá sofrer cortes de pelo menos 10% ao ano para que o Orçamento suba no máximo a inflação do ano anterior. Isto é totalmente inviável. Ou seja, esta PEC somente irá equilibrar a dívida pública se, e somente se, vier acompanhada por uma ampla reforma da previdência.

c – Questões demográficas:

Em 2015, 24 milhões de brasileiros tinham 60 anos ou mais. Em 2060, este contingente pulará para 74 milhões. Enquanto isto, segundo o IBGE, a população brasileira terminou 2015 com menos de 205 milhões de habitantes e deverá atingir 218 milhões de habitantes em 2060. Em resumo, o percentual de idosos acima de 60 anos pulará de 11% para 33% do total da população.

Segundo o Ministério da Previdência, temos hoje 9 pessoas ativas por pessoa inativa com 65 anos ou mais. Esta relação de dependência cairá para apenas 2,3 pessoas ativas por pessoa inativa com 65 anos ou mais em 2060.

Adicionalmente, segundo o IBGE, a expectativa de sobrevida de uma pessoa com 60 anos era, em 1988, de 77,6 anos. Em 2013, subiu para mais 81,8 anos. E, as projeções indicam que este número deverá crescer ainda mais nos próximos anos.

Argumentos técnicos não faltam para defender a reforma da previdência. A questão é como conseguir apoio da população e, consequentemente, dos políticos para isto. O Governo Federal espera aprovar no primeiro semestre de 2017 uma reforma que institua idade mínima e regra de transição para pessoas com até 50 anos, que poderão ter que trabalhar mais 40% do que o previsto neste momento.

Em resumo, o futuro nos reserva trabalhar por mais anos para podermos requerer a aposentadoria e, muito provavelmente, por um teto menor que o atual, que gira em torno de 6 salários-mínimos e que já foi de 20 salários mínimos nos anos 1980. Aliás, esta “âncora” que muitos fazem, de contabilizar mentalmente a aposentadoria recebendo um determinado número de salários mínimos, é sinônimo de grande decepção futura porque as regras têm sofrido muitas mudanças nos últimos anos.

2 – Provável queda nos juros no Brasil no longo prazo:

O mercado financeiro trabalha com juros futuros abaixo da taxa de juros Selic (que é a taxa básica de juros da economia, determinada a cada 45 dias pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil). Em outras palavras, enquanto a taxa de juros Selic (taxa de curto prazo) está em 14,25% ao ano, a taxa de juros para 10 anos (taxa de longo prazo) está em torno de 12% ao ano. Assim, o mercado financeiro já cortou os juros! E, se o Banco Central for bem sucedido em sua política de combate a inflação e conseguir reduzi-la para a meta de 4,5% ao ano, os juros no Brasil deverão novamente ficar abaixo de dois dígitos.

O nosso desejo é que o Brasil se desenvolva e, para isto, é preciso que os juros caiam para criar um ambiente favorável aos negócios. Porém, do ponto de vista estritamente pessoal, a queda dos juros afeta dramaticamente a capacidade de poupança. Para isto, vamos pegar o exemplo de um título público que paga juros acima da taxa de inflação (IPCA): Tesouro IPCA+ 2050 com juros semestrais. Este título público, recomendado para formação de reserva financeira para fins de previdência, pagava 7,5% de juros reais (acima da inflação) no início do ano.

Agora, em agosto, paga em torno de 5,8% de juros reais. Abaixo, uma tabela mostrando o esforço mensal para conseguir o mesmo valor futuro de R$ 1 milhão (devidamente corrigidos pela inflação) em três cenários: juros reais (acima da inflação) de 7,5% (taxa em janeiro de 2016), juros reais de 5,8% (taxa em agosto de 2016) e juros reais de 4,0% (taxa no início de 2013). As contas não levam em consideração o Imposto de Renda e os custos de negociação do Tesouro Direto.

A interpretação é simples: se você deseja ter R$ 1 milhão daqui a 35 anos devidamente corrigido pela inflação e se os depósitos mensais forem corrigidos à taxa de juros real de 4,0% ao ano, o esforço de poupança é mais do que o dobro do esforço que seria exigido se as taxas de juros reais fossem as mesmas de janeiro de 2016. A matemática é perversa: se a taxa de juros cai, o esforço de poupança aumenta. Este esforço pode ser um depósito mensal maior, um prazo maior de poupança ou a combinação de ambos.

 O que fazer:

Sabemos que a previdência será reformada. Sabemos que é possível (e desejável) que as taxas de juros no Brasil caiam e fiquem em um patamar abaixo do que estão hoje. A combinação destes dois fatores sugere uma atenção maior para o nosso planejamento financeiro pessoal.

Não conte com o INSS

Independentemente da faixa de renda, é altamente recomendável um minucioso planejamento de nossa aposentadoria. Não sabemos como será a reforma da previdência, mas acredito que deveremos considerar a hipótese de não contar com a previdência pública para nosso futuro.  Esta opinião drástica decorre de projeções nada promissoras sobre o equilíbrio financeiro da previdência pública: o teto do benefício pago deverá cair para o equivalente a 3 salários mínimos e a idade mínima para se aposentar poderá ser estendida para 70 anos. Como o assunto é debatido há quase 20 anos, não é razoável esperar decisões definitivas no curto prazo. E, quanto mais tempo o Congresso demorar para tomar as medidas certas, menor será o benefício a ser recebido.

Guarde mais e mais cedo

Eu sei que é difícil fazer a seguinte escolha intertemporal: reduzir o consumo hoje e guardar estes recursos para serem aproveitados no futuro. E esta decisão é ainda mais difícil em provável cenário de redução das taxas de juros, que poderão impor sacrifícios maiores para atingir uma meta. Porém, estes recursos poderão permitir um futuro com segurança financeira. O fato é que quanto mais adiarmos a decisão de poupar agora, mais distante estará a estabilidade financeira quando alcançarmos 65 anos ou mais.

Enfim, melhor do que evocar Santo Agostinho e procrastinar a decisão, devemos evocar o espírito olímpico, tão presente entre nós neste ano: os atletas passam anos se dedicando e se sacrificando para um dia, no futuro, participarem de uma Olimpíada. Por que não pegarmos este espírito e aplicá-lo em nossas finanças?

Nota: [1] A Lei 13.183/2015 estabelece que para se aposentar por tempo de contribuição (sem incidência do fator previdenciário), o segurado deverá ter 85 pontos, se mulher, e 95 pontos, se homem, e que também tenha período mínimo de pagamento ao INSS de 180 meses. O número de pontos é a soma do tempo de contribuição e da idade do segurado. Exemplo: homem com 57 anos de idade e 38 anos de contribuição pode se aposentar sem incidência do fator previdenciário até 30 de dezembro de 2018 porque a soma da idade e do tempo de contribuição é igual a 95 pontos (o fator previdenciário seria de 0,818, que reduziria a aposentadoria em 18,2%). Esta Lei prevê o aumento gradativo da regra a partir de 30 de dezembro de 2018 até 2026, quando a soma dos pontos para mulheres deverá ser de 90 e de homens de 100.

José Raymundo de Faria Júnior é planejador financeiro CFP®. E-mail para contato: [email protected]. Sandra Regina Petroncare, e-mail para contato: [email protected]. Os autores são professores da Escola Nacional de Seguros. As opiniões manifestadas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seus autores. O IBCPF e o Blog Arena do Pavini não se responsabilizam por decisões de investimento tomadas com base nestas informações.


 

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