Arena Especial, CVM

Entrevista: CVM julga mais e espera punição maior para crimes do mercado, diz Leonardo Pereira

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) julgou mais e foi mais rigorosa em 2016 com relação a acordos em processos envolvendo irregularidades. O desempenho melhorou graças ao colegiado estar completo e o reforço na estrutura de investigação. Foram 65 processos sancionadores, para 55 do ano de 2015.

Com os esforços, a CVM reduziu a idade dos processos sancionadores de 11 para dois anos de 2013 para cá. O tempo dos processos administrativos em instauração caiu de sete para três anos e o dos processos aguardando instauração de inquérito caiu de sete para um ano.

Mesmo assim a fila de processos cresceu no ano passado, pois houve muita rejeição de termos de compromissos, os acordos pelos quais o acusado paga uma multa e encerra o processo sem uma decisão sobre sua culpa. “Para reduzir a fila, é preciso ter, além do colegiado completo, uma estrutura de apoio que agora temos, para acelerar os julgamentos, mas também um número de termos de compromissos aceitos grande também”, explica Leonardo Pereira, presidente da CVM, em entrevista ao Portal do Pavini. Se a CVM aceita mais termos de compromisso, mais processos são arquivados e a fila diminui, o que não foi o caso.

Mais acordos rejeitados

De 85 propostas de termos de compromisso, 56 foram rejeitadas, ou 66% do total, afirma Pereira. No ano anterior, foram 59 propostas analisadas e 36, ou 61%, foram rejeitadas. “Apreciamos mais propostas e rejeitamos mais”, diz o presidente da CVM, que evita, porém, falar em maior rigor do regulador. “É difícil dizer que a CVM ficou mais rigorosa, pois os riscos que estavam sendo vistos quatro anos atrás, quando surgiram esses casos, talvez não fossem os mesmos de hoje”, diz.

De olho nos controles internos

Mas ele admite que, no ano passado, houve um número grande de termos de compromisso em que a CVM considerou que a contrapartida oferecida não foi a adequada. Além disso, houve casos em que a CVM fez questão de levar o processo para julgamento, como forma de criar precedentes ou punir desrespeito a normas em temas que a autarquia considera importantes, explica Pereira. “Controles internos, por exemplo, temos muitos casos que achamos que tinham de ir a julgamento porque achamos de controles internos são fundamentais no momento em que se está discutindo melhora de governança”, diz. “Vemos alguns casos que mostram que ainda não se deu a devida importância aos controles internos, que são vistos como burocracia, mas achamos que não, que é preciso uma estrutura de controles internos dinâmica e que isso é muito importante”, completa.

Mais rigor com informação privilegiada

Outro tema que no princípio do ano levou a CVM a rejeitar alguns termos de compromisso foi o de insider trading, ou uso de informação privilegiada. “Avisamos dois anos atrás, esse negócio está muito ruim, e fizemos uma campanha para combater esse tipo de irregularidade”, diz Pereira. A CVM criou um grupo de “insider trading” que trouxe uma série de recomendações, como mudar os filtros que detectam movimentos suspeitos dos papéis, para identificar as operações irregularidades. “Além disso, mandamos uma equipe para a Austrália para acompanhar outros modelos de fiscalização de insider trading”, explica Pereira, que espera que os frutos dessas mudanças apareçam ainda nos próximos anos. “Vamos ver isso daqui a algum tempo”, diz.

Fiscalização aumentou

Ele lembra que os casos que estão sendo julgados hoje de informação privilegiada foram identificados no modelo antigo de apuração. “Esse arcabouço novo criado nos últimos 12, 18 meses vai mostrar seus resultados daqui uns dois anos, quando tivermos os casos identificados”, explica. “Não sabe se aumentarão os casos, mas vamos ter mais diligência e ser mais técnicos e teremos mais capacidade de identificar os casos”, afirma Pereira. “Insider e manipulação de mercado são difíceis de comprovar, às vezes não conseguimos condenar os acusados porque não temos evidências suficientes”, diz. “Hoje temos um grupo mais capacitado, treinado, e os frutos disso vão aparecer, já estão aparecendo, mas ainda não podemos anunciar”, afirma.

Divulgação mais rápida

Nesse ponto, a CVM também está avançando, reduzindo o prazo para tornar públicas as investigações. Segundo Pereira, logo que os envolvidos são notificados, imediatamente o caso é colocado no site da CVM. “Antes, era preciso esperar a apresentação da defesa dos acusados”, diz. A mudança representa uma diminuição de 60 dias no tempo que levava para o caso ser divulgado. “E há casos em que há mais de um envolvido, mais de um advogado, então demorava muito mais pela espera da defesa, pedido de prazo, etc.”

Pereira destaca que os avanços não ocorreram apenas por causa do colegiado e da fiscalização. “Estamos julgando, punindo mais também graças à melhora na parte de supervisão, pois a sanção é a etapa final, tudo começa na supervisão”, explica.

Punição tem de ser mais severa

Apesar dos esforços da CVM, a supervisão e a fiscalização do mercado brasileiro ainda têm de avançar muito. Prova disso é que somente no ano passado, quando a CVM completou 40 anos, ocorreu a primeira condenação de um acusado de manipulação de mercado pela Justiça. Pereira admite que isso é um processo que não depende apenas do regulador, mas também das leis. E disse que continua defendendo punições mais duras para os crimes cometidos no mercado de capitais.

Projeto no Ministério da Fazenda

Segundo ele, o projeto que aumenta as punições já saiu do Banco Central e está agora no Ministério da Fazenda. “O projeto parece que não está andando, mas é que cada vez que muda o governo ou a equipe econômica, ele precisa ser rediscutido”, afirma. Segundo Pereira, a CVM já não tem mais nada a falar sobre a proposta, que tem o apoio da equipe da Fazenda. “O Ministério da Fazenda é o último passo antes de o projeto ir para a Casa Civil, por isso é importante que todos cobrem, a imprensa, a sociedade, todos”, diz.

Caso Pizzolato

Pereira diz que o apoio à medidas mais duras para punir os infratores ficou claro em seu parecer no caso do ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, punido em 15 de dezembro pela CVM com a multa máxima, de R$ 500 mil.

Ele foi condenado por irregularidades no repasse de recursos a agências de publicidade em ações de marketing e propaganda desenvolvidas pelo Fundo de Incentivo Visanet, no chamado Mensalão do PT.  “O caso Pizzolato foi muito típico, ele fez uma coisa muito danosa para o mercado em termos de dever de lealdade, e todo mundo achava que a pena de R$ 500 mil não era adequada, mas fomos obrigados e dar a multa nesse valor pois era o máximo”, explica Pereira.

“Ninguém quer aumento de pena para sair punindo todo mundo, queremos pena maior porque ela é pedagógica até para desincentivar as pessoas a fazerem coisas erradas”, diz. “Eu gostaria que o aumento de pena diminuísse a atividade sancionadora, pois, no momento em que aumenta a fiscalização, não adianta ter melhora na supervisão, na fiscalização, na normatização e a punição ser branda”, explica.

Pereira diz que 2016 foi um ano bastante positivo para CVM apesar das mudanças todas que o país passou. A CVM, destaca, não parou porque o país entrou em recessão. “Entendemos que o mercado de capitais é fundamental para o crescimento do país, não haverá recuperação econômica se não tiver mercado de capitais forte”, diz.

Fiscalização internacional

Ele considera que a missão da CVM foi cumprida. “E é bom porque teremos este ano uma supervisão internacional, independente”, diz. De cinco em cinco ano, todas as CVMs dos países do G-20 são inspecionadas pelo Banco Mundial (Bird). Um time de inspetores, usando os princípios da IOSCO, órgão que reúne as CVMs do mundo inteiro, fazem uma avaliação se o regulador está cumprindo bem seu papel.

No ano passado, já houve uma inspeção extra, do Internacional Finance Corporation (IFC, braço de investimentos do Bird), afirma Pereira. Um time de reguladores de outros países veio ao Brasil em setembro e fez uma inspeção limitada, no caso, na área de fundos “e foi muito boa”, diz o presidente da CVM. “Ela confirmou que temos um setor de fundos  bastante grande tanto em termos absolutos quanto relativos, e muito importante par ao mercado de capitais”, explica. “Todo mundo fala que mercado de capitais é a bolsa, mas o setor de fundos é muito importante, e temos mais de 10 milhõs de investidores aplicando em fundos”.

Fim de mandato

Para este ano, Pereira espera mais trabalho, com um aumento das operações no mercado de capitais e também muitas novas normas a serem aprovadas. Neste ano também Pereira encerra seu mandato como presidente da CVM. Os diretores saem em dezembro, mas o presidente deixa a autarquia em 14 de julho, substituído por um nome indicado pelo ministro da Fazenda. Para Pereira, sua gestão trouxe muitas mudanças quadro de superintendentes. “A máquina está funcionando melhor, a CVM é uma grande autarquia, apesar de todas questões, de precisar de mais gente, mas tem quadro técnico extremamente forte e precisa ser preservado”, afirma, reconhecendo que “não tivemos problema de orçamento, Brasilia entendeu”. “Mas temos de continuar investindo nas pessoas.”

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