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O IPCA caiu. E agora, como ficam minhas NTN-B?

O Brasil, campeão mundial de índices de inflação, passa por um momento econômico inédito. Acostumado a sempre ver a inflação subindo, agora os brasileiros veem indicadores como o IGP-DI registrando quatro meses seguidos de deflação e queda de 1,92% em um ano, enquanto o IPCA cai pela primeira vez em 11 anos.

Está certo que se trata de um reflexo da pior recessão dos últimos 100 anos, e que muita gente duvida dessa queda de preços – pergunte a alguém saindo do supermercado e a resposta será que ninguém viu nenhum preço caindo. Mas isso é um reflexo da forma como os índices de inflação são calculados, com muitos itens e de diversas áreas, coisa difícil de perceber no dia a dia. Além disso, cada pessoa tem sua inflação própria, e a tendência é sempre de as pessoas notarem mais a alta dos preços, que é ruim, do que a queda. Mas a verdade é que os preços em geral da economia estão caindo e isso terá impactos na vida dos brasileiros.

Ganho real em salários e no poder de compra

Para os assalariados, o primeiro impacto é o ganho real do salário, que poderá comprar mais produtos com o mesmo valor. Já para os investidores, o impacto é o aumento do ganho real de seus investimentos, já que será possível adquirir a mesma quantidade de bens com um valor menor e os juros serão pagos sobre um o real mais valorizado. O maior ganho é de quem comprou papéis com juros prefixados, que embutiam em suas taxas projeções de inflação mais altas.

Mas e quem comprou papéis indexados a esses índices de inflação? Vai perder dinheiro? A resposta é sim e não. Mesmo que o valor da aplicação tenha uma correção negativa ou menor, a valorização do real compensará essa perda. Ou seja, o poder de compra da moeda será mantido. Tomando como base a projeção para o IPCA Nos próximos 12 meses do relatório Focus, de 4,46% (que deve cair na próxima edição) e um juro de uma NTN-B ao redor de 5%, o rendimento do investidor em um ano estaria perto de 9,7% brutos, ou 8% líquidos em um ano.

Resgatando menos?

Mas será que alguém vai resgatar menos do que aplicou? Para responder a isso, será preciso entender como são corrigidos os papéis indexados à inflação.

Hoje existem no mercado muitos títulos indexados ao IPCA emitidos pelo governo, as NTN-B, debêntures emitidas por empresas e, mais recentemente, Certificados de Recebíveis do Agronegócio, os CRA. Esses papéis podem pagar juros a cada seis meses, o chamado cupom, e o principal no final. Há também os papéis indexados ao IGP-M, que o Tesouro deixou de emitir há alguns anos, mas que continuam sendo emitidos por bancos e financeiras em CDBs. Algumas empresas também emitem títulos, debêntures, corrigidos pelo IGP-M.

Juros anuais ou semestrais

A regra de remuneração desses papéis varia, mas o mais comum é o pagamento dos juros a cada ano e o principal no vencimento. As NTN-B e alguns CRAs pagam juros a cada seis meses, mas também quitam o principal no fim. Isso é importante, pois o investidor só vai receber a correção monetária no fim, quando for sacar o principal investido. O que ele recebe a cada ano ou a cada seis meses é apenas os juros, que são calculados sobre esse principal investido corrigido pela inflação. Poucos papéis pagam também o principal junto com o cupom anual ou semestral.

Isso significa que quem for receber em junho o rendimento anual de um papel corrigido pelo IGP-M, que teve deflação de 0,78% nos 12 meses, receberá os juros calculados sobre o valor principal corrigido pela inflação. Ou seja, se a aplicação era de R$ 100 há um ano, o juro será calculado sobre R$ 99,22. O juro pago, portanto, será menor em termos nominais, mas não haverá perda.

Papéis vencendo agora

Mas, e se a pessoa estiver sacando o dinheiro neste mês? Aí entra outra regra importante desses papéis: eles só podem usar índices de inflação se tiverem prazo superior a três anos. A regra, criada no Plano Real para evitar a reindexação da economia, acaba por diluir os impactos da deflação.

Isso ocorre porque as deflações são raras, ainda mais no Brasil. E mais raras ainda em períodos longos, como 12 meses. No caso do IGP-M, desde sua criação, em 1988, o índice só registrou deflação anual dez vezes, segundo levantamento da Economatica.

O que acontece é que, como o papel indexado à inflação em geral tem prazo de três anos ou mais, o valor da correção será pago todo no fim. E dificilmente a inflação de três anos será negativa. Quem for resgatar um papel em junho deste ano terá o valor corrigido pelo IGP-M desde junho de 2014. E, somente nos 12 meses encerrados em junho do ano passado, o IGP-M subiu 12,21%. Ou seja, a deflação terá impacto pequeno para a aplicação.

Já no caso do IPCA, o impacto será ainda menor porque o índice teve deflação apenas em um mês, a primeira desde 2006, e, já em julho, deverá voltar a subir. E a remuneração, calculada a cada seis meses, também terá como base a variação de janeiro a junho, que anulará a deflação do mês passado. Assim, o principal sobre o qual serão calculado os juros será corrigido por 1,18%.

O mais importante, porém, é que a inflação dá sinais de estabilidade no médio prazo, o que é bom para toda a economia e para os investidores e pode levar os juros reais a caírem no médio prazo. E, se os juros caírem, os papéis hoje no mercado com taxas mais altas vão se valorizar. Além disso, a correção pela inflação é um seguro para a perda de valor da moeda. Não pode ser confundida com ganho.

Rentabilidade nominal menor

É o que explica o educador financeiro André Bona, do Blog de Valor. “Aqueles investidores que possuem títulos associados ao IPCA, como títulos do Tesouro Direto de longo prazo, a persistir a queda do IPCA, poderão ter uma rentabilidade nominal menor”, admite.

Porém, o investidor deve ter em mente que o uso do IPCA como indicador de um investimento existe justamente para garantir a rentabilidade real do seu patrimônio, que é justamente a rentabilidade acima da inflação, efetivamente o que aumenta o poder de compra de um dinheiro investido ao longo do tempo. Isto é, não adianta um investimento render 10% com uma inflação de 9%.

Seria melhor, por exemplo, um investimento rendendo 8% com uma inflação de 3%, pois o ganho real nesse último caso, será maior. “É preciso acompanhar esse indicador com mais atenção, pois todos desejam uma inflação baixa, porém, a deflação significa uma economia muito retraída e com desemprego, o que não é bom”, afirma Bona.

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