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Funcesp opta por multimercados em lugar de bolsa para elevar ganhos deste ano

Depois de fechar o ano passado com uma rentabilidade de 18,5%, quase seis pontos percentuais acima da meta atuarial de 12,9%, a Funcesp, maior fundo de pensão patrocinado por empresas privadas do país, está reforçando a cautela para enfrentar um cenário externo mais turbulento e mais incertezas locais. “O cenário tem um volume grande de incertezas”, afirma Jorge Simino, diretor de investimentos da Funcesp.

No cenário doméstico, fora a Operação Lava Jato, essas incertezas estão concentradas no plano econômico, afirma Simino. Para ele, a reforma da Previdência deve passar no Congresso, não integralmente, mas em sua maior parte, o que deixa dúvidas sobre seu impacto. A taxa de juros também deve cair, mas aí a questão é em qual velocidade e quanto, o que abre espaço para exageros. “Tem gente projetando 8,25% de taxa Selic no ano que vem, mas eu não me sinto confortável com uma taxa tão baixa”, diz. “Incomoda um número desses com uma expectativa de crescimento maior de 2017 para 2018 e uma previsão de inflação estável”, explica. “Nas projeções, a inflação fica em 4,5% também em 2018, mesmo com uma inflação maior, o que não costuma acontecer”, diz.

Simino considera, porém, que a maior complicação agora está no cenário externo, mais que no doméstico, tanto na parte econômica quando extra-econômica. Um evento ordinário qualquer, uma decisão mais exótica do presidente americano Donald Trump ou uma eleição em maio na França que leve à vitória Marine Le Pen, candidata populista de extrema direita podem entornar o caldo dos mercados internacionais.

Há ainda no dia 20 deste mês a rolagem da dívida da Grécia, que está novamente por um fio. “Por tudo isso, em meados do ano passado, demos uma reequilibrada no nosso portfólio, reduzimos o caixa que estava alto e aplicamos mais significativamente em multimercados e produtos estruturados, mais conservadores, volatilidade de 3% ao ano, e um pouco em multimercados mais agressivos, com volatilidade de 6% ao ano”, explica Simino. “Preferimos isso em lugar de ir para renda variável, na qual termos uma aplicação bem modesta”, diz.

Bolsa tem potencial, mas risco Trump é alto

Simino admite que a bolsa tem potencial de valorização, “mas se um desses eventos binários ocorre, pode provocar uma forte queda”, diz. Ele dá o exemplo da decisão de Trump de proibir a entrada de pessoas nascidas em sete países de maioria muçulmana. “Demorou 48 horas para a equipe do governo perceber que tinha errado e precisava rever a questão dos que tinham greencard, o que mostra que o staff do novo presidente não funciona de forma pro-ativa, só reage depois do erro”, diz Simino. “Imagine isso em questões mais delicadas”, avalia.

Leniência do mercado

Simino diz que há uma leniência no mercado financeiro americano com esse amadorismo de Trump porque ele prometeu que vai cortar impostos,  gastar dinheiro em infraestrutura,  incentivar o crescimento. “Mas mesmo isso provoca um efeito positivo que não é duradouro, já vimos isso várias vezes, em um ano, um ano e meio, o fiscal arrebenta e o papel do Tesouro de 10 anos vai par 3,5% a 4% ao ano e prejudica o crescimento”, afirma.

Para Simino, o cenário externo hoje parece mais perigoso ou preocupante que o doméstico, “não que o doméstico seja tão bom, pois vai ter Lava Jato, isso, aquilo, sempre tem”, observa. “Temos uma questão geopolítica, complicada, porque não se consegue projetar, não tem modelo de projeção”, diz, citando a eleição na França em maio, a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) em junho e Trump. “E quando um desses eventos acontece, o mercado já abre com um salto, e isso cria desconforto para aumentar o risco das aplicações”, diz.

PIB cai 8% em quatro anos

No Brasil, na parte econômica o diretor diz que o juro vai cair, mas mesmo assim a recuperação vai ser muito mais lenta que o imaginado no fim do ano passado. “Pegando o meio do ano, temos quatro anos de queda do PIB, é uma queda cavalar, de 8%”, avalia. “Pensando assim, 0,5% de alta neste ano é mais efeito estatístico do que recuperação mesmo da economia”, diz.

Para ele, se não ocorrer uma recuperação do crédito, “pode falar o que quiser, o PIB vai ser modestíssimo”, alerta. Segundo ele, há notícias de que os bancos estão montando equipes de acompanhamento de empresas para evitar recuperações judiciais com as da Oi, de R$ 64 bilhões. “É outro gargalo para o crescimento”, avalia. “Colocando tudo isso na panela, o crescimento fica modesto mesmo, não tem milagre, e isso dá um pouco de incômodo para se falar em um Índice Bovespa em 75 mil pontos”, afirma Simino. “Pode-se projetar o Ibovespa até em 90 mil pontos, mas qual o risco embutido nessa projeção?”, observa.

Hora de correr mais riscos

Por isso, a opção da Funcesp foi tomar mais risco usando os multimercados. No ano passado, os juros de até 14% prefixados garantiram o cumprimento da meta, mas este ano é preciso buscar outras opções

A boa performance foi puxada pelas aplicações em renda fixa, que tiveram retorno de 17,6% no ano. A renda variável, por sua vez, apresentou rentabilidade de 45,3% e empréstimos a participantes renderam 15,3%. No final do ano, R$ 21,1 bilhões estavam aplicados em renda fixa, R$ 2,9 bilhões em renda variável e R$ 260,5 milhões em operações com participantes. . “No ano passado, conseguidos com uma postura hiperconservadora um ganho bom sobre a meta atuarial, mas neste ano, essa abordagem não vai funcional, vamos ter de tomar mais risco”, diz.

A questão é quanto de risco tomar e que caminho escolher para isso. No caso do multimercado, mesmo os mais agressivos, com volatilidade de 7%, 8% ao ano, estão bem abaixo dos 22% ao ano do índice Bovespa. “Se der certo, podemos perder do índice, mas mesmo assim termos um ganho acima do CDI”, espera.

Em bolsa, o fundo aplicou cerca de R$ 150 milhões, uma parcela pequena, 1% da carteira. A preferência foi por empresas do setor de serviços, um pouco de Petrobras e especialmente bancos. “É um caminho lento, mas tem rota de recuperação, lenta, mas tem”, justifica.

Queda dos juros das NTN-B

Já nos títulos do Tesouro, há controvérsia se ainda é vantagem arriscar, diz Simino, referindo-se especialmente às NTN-B, papéis longos corrigidos pela inflação mais juros. O papel para 2055 paga hoje cerca de 5,5% ao ano. “Tem gente que diz que o juro real pode cair mais, para 5%, mas eu acho que não chega, no máximo recua para 5,40% ao ano”, diz. “Também não imagino a Selic a menos que 10% ao ano, não tenho imaginação para menos que isso, acho que sou velho demais”, ironiza.

Com recursos para investimento de R$ 26,6 bilhões, a Funcesp ocupa a quarta posição no ranking geral do setor por ativos. Possui 110 mil participantes de previdência – cerca de 15 mil ativos, 30 mil assistidos e 62 mil dependentes previdenciários – e opera uma folha de pagamento de benefícios de R$ 2 bilhões anual.

Atualmente tem como patrocinadoras as seguintes empresas, para as quais administra benefícios de previdência e/ou saúde: Grupo AES (AES Eletropaulo, AES Tietê, TIM Celular), CESP, Grupo CPFL (CPFL Energia, CPFL Brasil, CPFL Geração, CPFL Paulista, CPFL Piratininga), CTEEP, Duke Energy, Elektro e EMAE.

 

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