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Ex-presidente e ex-diretor criticam CVM por punições mais fortes e esperam ações na Justiça contra multas mais altas

A atuação mais firme da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), suspendendo emissões de debêntures e a negociação de cotas de um fundo imobiliário e distribuindo punições que atingiram emissores e prestadores de serviços, como agências de avaliação de risco, gestores, administradores e agentes fiduciários, foi alvo de críticas de um ex-presidente e um ex-diretor da autarquia. Em evento promovido pelo escritório Loria e Kalansky Advogados, o ex-diretor* da CVM, Eli Loria, sócio do escritório, disse que ficou “assustado” com as chamadas “stop orders”, ou alertas ao mercado, envolvendo duas emissões de debêntures de empresas de menor porte e o fundo imobiliário. “Todos os casos anteriores envolveram empresas não reguladas, alguém fazendo gestão de recursos para terceiros sem autorização ou oferecendo um valor mobiliário sem regulamentação”, diz. “Nunca vi nada parecido, pois no caso das instituições e pessoas reguladas, a CVM tem um relacionamento, há o processo sancionador, abre a investigação e pede informações, dando direito de defesa”, diz. “O ‘stop order’ é para quem não é regulado, que pode escapar das punições”, explica. Para ele, esse tipo de comportamento faz parte da onda iniciada na crise de 2008 da chamada regulação prudencial, que busca prevenir os problemas. “Ela já foi adotada pelo Banco Central e agora a CVM parece que está adotando e há uma mudança de pensamento”, diz.

Já o ex-presidente da CVM Ary Oswaldo Mattos Filho, hoje na Fundação Getulio Vargas (FGV), observa que o aviso ao mercado é uma notícia pública e, se a empresa suspeita de irregularidade mostra que está tudo em ordem e quer retomar a operação, já “volta por baixo”. Essas áreas da CVM e do Banco Central, que envolvem dinheiro, são muito sensíveis”, diz. “Se a suspeita era infundada e a CVM cria dúvida, o mercado vai exigir um preço maior para comprar o papel”, acrescenta. Segundo Mattos Filho, ele só daria um “stop order” depois de conversar com as empresas e comprovar que há a irregularidade. Ele acredita que essa atitude da CVM levanta também a questão do papel do órgão regulador, se ele deve analisar a qualidade do papel que está sendo ofertado. “Temos visto decisões que entram na discussão do papel.”

Para Mattos Filho, o modelo brasileiro deveria ser semelhante ao americano, em que o regulador garante o máximo de informações sobre o emissor e o papel ao mercado e deixa o investidor decidir. “Se amanhã um jornalista dizer que a CVM, o xerife do mercado, será por falta de desconhecimento”, diz.

Daniel Kalansky, professor do Insper e sócio do escritório que promoveu o encontro, diz que as punições mais amplas, com a suspensão por um ano da atuação dos prestadores de serviços como a agência de rating e o agente fiduciário das debêntures, mostra uma atuação mais cautelosa da CVM. “Mas não havia essa atuação para agentes regulados”, lembra. Um ponto importante, diz, é que antes de emitir o alerta ao mercado a CVM deveria pedir uma manifestação prévia do agente regulado, com prazo curto para esclarecimento, pois o alerta pode afetar a imagem da empresa ou instituição. “É preciso garantir o contraditório antes de anunciar a punição ao mercado”, diz.

Multas de até R$ 50 milhões assustam executivos

Os ex-executivos da CVM alertaram também para o risco de o aumento das multas e punições para até R$ 50 milhões, autorizado pela Lei 13.506, de 2017,  provocar uma onda de ações judiciais, além de afastar bons profissionais dos cargos de conselheiro e diretor de empresas abertas  ou gestor de recursos. A CVM colocou em audiência pública até o fim deste mês uma proposta para estabelecer critérios para definir os valores das multas para cada tipo de crime, para reduzir o receio do mercado de que qualquer irregularidade estará sujeita à multa de R$ 50 milhões. Mesmo assim, o assunto pode criar problemas, alerta Eli Loria.

Segundo Ary Oswaldo Mattos Filho, “punição tem de haver, mas as regras de graduação deveriam ser objetivo de limitações estabelecidas por lei”, afirma. “Deixar isso para a CVM definir vai levar tudo para o Judiciário e não vai ser um processo rápido e eficiente”. Mattos Filho lembra que, nos Estados Unidos, a Securities and Exchange Comission (SEC) é uma autarquia ligada ao Congresso americano e presta contas a ele, o que lhe dá um poder muito maior que a CVM brasileira. “A CVM era uma autarquia e virou autarquia especial, mas não tem poder de autarquia”, diz. “É preciso mais que uma audiência pública para definir as graduações”, resume.

Já Loria afirma que há riscos grandes de judicialização das punições aplicadas pela CVM. “Além disso, o risco de punições tão altas afasta bons profissionais do mercado, pois eles terão receio de receber essa multa, e os seguros que cobrem essas multas também vão subir”, diz. Loria diz que há a preocupação de que, com esse rigor, surjam comportamentos “pouco republicanos”, de alguns funcionários públicos que poderiam chantagear executivos ou empresas usando essas multas. O sócio de Lória, Daniel Kalanski, diz que há uma preocupação grande entre os clientes do escritório em torno dessa multa.

Participando como ouvinte do seminário, o também ex-presidente da CVM Leonardo Pereira afirmou que o outro lado desse problema é como também não tornar a multa insignificante. “Como resolver a questão do ‘ah, mas é só R$ 500 mil'”, lembra. Segundo ele, a audiência pública é oportunidade para levar adiante essas questões. “Por isso é importante participar”, diz. Ele acrescenta que a proposta não era aplicar multas altas, mas ter mais ferramentas para desestimular as atitudes irregulares e ser mais pedagógico. “Tínhamos casos em que dávamos multas de R$ 500 mil e víamos que ela era inócua”, diz.

*Corrige cargo de Eli Loria, ex-diretor, e não ex-presidente da CVM.

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