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Bancando o banqueiro: BC vai liberar empréstimos entre pessoas físicas pela internet

Em uma estratégia de aumentar a competição no Sistema Financeiro Nacional, fomentar o crédito e reduzir seu custo para o tomador final, o Banco Central (BC) publicou na quarta-feira, dia 30 de agosto, um edital de Consulta Pública com proposta de normatização das operações nas chamadas fintechs de crédito, empresas que empregam intensivamente tecnologia no mercado de crédito.

De acordo com a autoridade monetária, a iniciativa vai disciplinar a atividade dessas companhias, inclusive nas operações de empréstimo entre pessoas. As novas instituições financeiras estarão sujeitas a critérios de regulação proporcionais, compatíveis com o porte e o perfil de risco, e a processos de autorização simplificados.
Pela proposta do BC, serão regulamentadas duas categorias, as sociedades de crédito direto (as fintechs que emprestariam recursos dos próprios acionistas) e as sociedades de empréstimo entre pessoas (aquelas plataformas eletrônicas que apenas conectam os donos dos recursos financeiros aos que buscam tomar financiamento), em operações conhecidas no mercado como peer to peer (pessoa a pessoa).

Peer to peer

Hoje o chamado P2P (Peer to Peer) Lending permite que várias pessoas ofereçam quantias que, juntas, formam o valor de empréstimo solicitado, sendo uma prática mais empregada para atender empreendedores que buscam formas de fazer seu negócio dar certo de acordo com expectativas previamente estabelecidas.
Nos dois casos mencionados pelo BC, os empréstimos são feitos de forma distinta dos realizados nos bancos, que captam depósitos de clientes e concedem crédito. Isso continuará sendo vedado às fintechs. Os bancos comerciais poderão criar suas próprias fintechs quando as regras entrarem em vigor.
A audiência pública vai até 17 de novembro. A estimativa do BC é que as regras poderiam entrar em vigor num período de dois a três meses depois.

Mais concorrência e redução do spread

Ainda de acordo com o Banco Central, a regulamentação proposta vai a aumentar a segurança jurídica no segmento, elevar a concorrência entre as instituições financeiras e ampliar as oportunidades de acesso dos agentes econômicos ao mercado de crédito, o que pode auxiliar na redução do spread bancário e também facilitar a tomada de recursos pelas pequenas e médias empresas.

Rafael Pereira, presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD), considera “super positiva” a iniciativa do BC. Para ele, nada é tão transformador no âmbito do sistema financeiro – desde a implementação do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), conjunto de procedimentos e operações integrados que, por meio eletrônico, dão suporte à movimentação financeira entre os diversos agentes econômicos do mercado – do que se estabelecer um marco regulatório para as fintechs.

Ganho de eficiência

Pereira se diz muito animado com a consulta pública. “Trata-se de um assunto muito técnico e complexo; mas com a troca de informações e o estabelecimento de regras que vêm sendo discutidas, há mais de um ano, acredito que teremos condições de reduzir uma série de ineficiências no segmento, além de ganhar mais transparência e segurança jurídica”, avalia.

Também para Ricardo Assaf, presidente da Associação Brasileira das Sociedades de Microcrédito, a iniciativa do Banco Central é positiva para o mercado, pois se espera que a normatização das fintechs traga “mais eficiência, transparência e segurança para investidores e tomadores de crédito.”
Assaf lembra, porém, que um mercado regulado também costuma ser “mais caro”, ao sofrer pressões de custos. As fintechs são competitivas, entre outros fatores, por contar com modelos muito ágeis, rápidos, voláteis, livres. “Isso tem um lado bastante positivo, e sempre há risco de o modelo sofrer impactos com o estabelecimento do marco regulatório. Vamos ter de acompanhar como as mudanças serão feitas.”

Mais opções para micro e pequenas empresas

Assaf destaca ainda que, para as micro e pequenas empresas, que convivem com dificuldades crônicas na tomada de financiamento bancário, as fintechs trazem uma experiência nova, com uma dinâmica menos burocrática e mais criativa que a dos bancos. “Já estudamos possibilidades de as SCMEPPs – Sociedades de Crédito ao Microempreendedor e à Empresa de Pequeno Porte serem “incubadoras” dessas fintechs a longo prazo, com parcerias que poderão gerar benefícios em custos, e, com as novas regras do BC, também esperamos a redução de riscos de fraudes.”

Modelo beneficia tomadores de crédito e investidores

Jorge Vargas Neto, co-fundador e CEO da Biva Serviços Financeiros, explica que mesmo ainda não sendo normatizada no Brasil, a plataforma peer to peer já é oferecida pela empresa desde maio de 2015, atendeu demandas em 26 estados brasileiros e fez 1.052 operações de crédito, num volume total de R$ 44 milhões.
Os tomadores geralmente são pequenas e médias empresas e estudantes universitários e o tíquete médio das operações fica em torno de R$ 40 mil.

Perto de 35% dos empréstimos foram feitos para empresas de pequeno porte, consideradas, no critério da Biva, aquelas que faturam entre R$ 300 mil e R$ 4 milhões por ano.

O principal diferencial do modelo, diz Neto, “é que não temos o chamado ‘spread’ (diferença entre as taxas de empréstimo e as taxas de captação de recursos); nosso modelo de intermediação é como um Uber – recebemos uma comissão por unir as duas pontas, o investidor e a pessoa ou empresa que toma o crédito.”

A Biva tem 16 mil investidores cadastrados, e o modelo, segundo o executivo, permite taxas mais vantajosas para o investidor em relação a outras aplicações de mercado, enquanto o tomador pode pagar até 60% menos do que pagaria num crédito bancário tradicional. A receita da companhia não vem da cobrança de taxas do tomador, mas da instituição financeira parceira (a fintech não pode captar recursos diretamente, precisa ter sempre como parceira uma instituição devidamente regulada pelo Banco Central).

De olho nos riscos

Para o tomador, afirma o CEO da Biva, o importante é estar atento à idoneidade das empresas e plataformas, para evitar fraudes. Para o investidor, há risco do não pagamento do tomador de crédito, mas a análise aprofundada de crédito realizada pela plataforma ajuda a aumentar a segurança de todo o processo.
Vargas Neto também acredita que o estabelecimento de regras para o segmento dará maior transparência a procedimentos e mais segurança a todos os envolvidos nas transações das fintechs.
“O que esperamos é que sejam validados os modelos em que já trabalhamos e criadas novas regras que estimulem ainda mais o florescimento do crédito digital”, afirma. Ele estima que as fintechs de crédito devem movimentar neste ano no Brasil mais de R$ 1 bilhão, sendo uma fatia em torno de 10% nas chamadas operações peer to peer.

Normatização é passo positivo, diz Acrefi

Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), acredita que o Banco Central está no caminho certo ao buscar a normatização do segmento. E, para isso, consultar o mercado, buscar conhecer a fundo o trabalho das fintechs, como funcionam no Brasil. Saber até que ponto elas poderiam vir a oferecer seu próprio funding, transformando-se em instituições financeiras não-bancárias, que riscos podem oferecer, se existem riscos sistêmicos, as formas de se mitigar riscos de fraudes.
“As fintechs estão crescendo, aqui e no mundo, os próprios bancos estão nessa nova fronteira. Encaro como passo positivo do Banco Cental estabelecer novos marcos de operação e também buscar o aperfeiçoamento do sistema”, diz Tingas, lembrando que as discussões sobre as fintechs fazem parte da Agenda BC+ , que trabalha para reduzir o spread bancário e melhorar a oferta de crédito no país.

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